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Tradições de Ano Novo. Passas.

12 badaladas, 12 desejos: fomos atrás das uvas passas que «sabem a goma»

02/01/2025

Texto: Filipa Vaz Teixeira

Fotografia: David Pires

Em Portugal há apenas uma empresa a produzir uva passa. A Vale da Rosa fica em Ferreira do Alentejo e garante que se a uva for boa, a passa também o é. 

Com o aproximar das primeiras badaladas da passagem de ano, surge a pergunta inevitável: quem quer uvas passas? À mesa, gera-se uma divisão tão profunda quanto a de um jogo de futebol aos olhos de duas fações de aficionados. De um lado, aqueles que cumprem zelosamente a tradição de comer as 12 passas à meia noite, pedindo um desejo por cada uma; do outro, os que as acham tão intragáveis que não se importam deixar a promessa de boa fortuna de lado.

pasas esparcidas
A tradição de se comer uvas passas na passagem de ano remonta ao século XVIII, mas só no século XIX é que o hábito se popularizou

Mas afinal, porque é que as uvas passas são presença habitual no réveillon? A tradição remonta aos finais do século XVIII, época em que a alta sociedade parisiense brindava ao ano novo com uvas frescas e champagne. Já no século XIX, o costume foi apropriado por outras capitais europeias, nomeadamente por Madrid. Houve, porém, dois episódios que fizeram com que essa tradição ganhasse forte expressão popular.

O primeiro está relacionado com uma decisão da Câmara Municipal de Madrid que, em 1880, quis cobrar uma taxa a todos os cidadãos que antecipassem e celebrassem o Dia de Reis nas ruas. A população, revoltada, reuniu-se na Puerta del Sol na noite de passagem de ano para ridicularizar a aristocracia madrilena, comendo uvas demasiado maduras em forma de protesto.

bol de pasas y manos manipulando pasas
Depois de secas, as uvas passas são desengaçadas e separadas à mão

O segundo momento aconteceu em 1909, ano em que a produção de uva em Alicante foi invulgarmente alta. De forma a escoar os excedentes de uva, os produtores juntaram-se para criar uma campanha e vender pacotes de 12 uvas anunciadas como uvas da sorte. A moda pegou em Portugal até aos dias de hoje, para gáudio de uns e enfado de outros.

«Quem prova esta passa, mesmo quem não gosta, fica a gostar»

Há, contudo, quem queira convencer os detratores da uva passa de que nem todas são sensaboronas e chatas. «Se a uva for boa, a passa é boa». Maria Elvira fala com a certeza de quem trabalha há 34 anos com uvas e as conhece pelos seus nomes. «Esta que está aqui», aponta para um tabuleiro de triagem, «é a Crimson. É uma uva rosada». Ao contrário da Autumn Crisp, que é branca, e da Midnight Beauty, preta, a Crimson, explica esta alentejana de 57 anos, tem um toque ácido.

operarios manipulando pasas
Cada trabalhadora da Vale da Rosa consegue separar entre 15 a 20 quilos de uva passa por dia

Salomé, ao lado, acompanha a conversa com atenção. Parando por uns momentos a tarefa de separar o engaço da uva, que desempenha com dedos ágeis de bordadeira, intervém: «A Midnight Beauty é a minha favorita. Parece goma. Quem prova esta passa, mesmo quem não gosta, fica a gostar». À afirmação segue-se um acenar de cabeça das companheiras de trabalho. A unanimidade dá enfase ao pregão de Maria Elvira. Se a uva for boa, a passa com certeza também o será.

vides al sol
Para se fazer um quilo de uvas passas são precisos cinco quilos de uva madura ©Vale da Rosa

Foi isso que a Vale da Rosa, a primeira empresa em Portugal a produzir uva sem grainha, também percebeu. «Há muita gente que acha que a uva sem grainha é uma coisa geneticamente modificada, mas não é. Há muitas variedades sem grainha», elucida Susana Ferreira, Diretora Comercial e de Marketing desta empresa familiar fundada em 2000.

operario limpiando pasas
A variedade de uva que dá as uvas passas mais doces é a Midnight Beauty. «Parece goma»

Das 26 variedades plantadas nos 270 hectares da Vale da Rosa, 23 são de uva sem grainha. E se a empresa mantém três variedades com grainha, deve-se apenas ao facto de uma fatia do mercado português continuar avessa à ideia de comer uvas sem cuspir o caroço.

Uva passa: uma forma de evitar o desperdício

Mas voltemos à uva passa e ao momento em que a Vale da Rosa fez as primeiras experiências com um produtor vizinho de bagas goji, já lá vão praticamente sete anos. O resultado foi tão bom, que rapidamente a empresa montou toda a linha de produção necessária para fazer passas suculentas, capazes de converter todos aqueles que as renegam na passagem de ano.

cartucho de 12 pasas para fin de año
A Vale da Rosa lançou uma edição inédita de cartuchos de 12 passas para a passagem de ano. Os cartuchos serão distribuídos por hotéis e restaurantes parceiros

«Esta é também uma forma de reduzirmos o desperdício», nota Susana, explicando que para cada quilo de passas são precisos cinco quilos de uva fresca. Os bagos que passam à categoria de passa, ou seja, aqueles que não têm calibre suficiente ou apresentam pequenos defeitos para entrarem no mercado da uva de mesa, são estendidos ao sol numa cama de ferro. É aí que iniciam o seu processo de transformação.

vides bajo plástico
Nos 270 hectares de plantação, a Vale da Rosa tem 23 variedades de uva sem grainha e 3 variedades com grainha ©Vale da Rosa

«Geralmente deixamos as uvas 10 dias ao sol e depois passamo-las para uma câmara de secagem, onde ficam durante um a dois dias, entre os 40 e os 50 graus». A olho nu, percebe se que a uva está pronta quando a pele está mais encarquilhada, mas há controladores de humidade que evitam qualquer análise precipitada: «Quando a uva atinge o intervalo de 15 a 18 graus de humidade, está pronta para sair», explica Susana.

operario con cesta de pasas
Nas câmaras de secagem, as uvas estão a uma temperatura que oscila entre os 40 e os 50 graus. Quando atingem os 15 a 18 graus de humidade, estão prontas para sair

E o que acontece quando a passa não passa na triagem?

Segue-se então o momento da seleção, totalmente manual. Num dia bom, Salomé, Maria Elvira e as suas colegas conseguem separar entre 15 a 20 quilos de uva passa cada uma. O processo é delicado, mas quem já faz disto vida há mais de duas décadas, sabe detetar à primeira quando a polpa está «mais mole» do que é suposto ou quando um pequeno buraco deforma uma das faces do fruto.

A essas uvas com ligeiros defeitos é-lhes dado um final feliz: «fazemos o nosso vinagre de uva passa», diz Susana Ferreira, abrindo as portas de uma antiga vacaria que hoje serve de adega. Lá moram 20 pipas de Vinho do Porto, fruto de uma experiência auspiciosa de envelhecimento de vinagre balsâmico de uva passa.

bodega de vino de pasas
Numa antiga vacaria transformada em adega, a Vale da Rosa tem 20 pipas de Vinho do Porto a envelhecer vinagre balsâmico de uva passa

Para já, esse vinagre ainda não está no mercado. Aquele que pode ser encontrado, e que é feito sem envelhecimento, é vendido na loja da Vale da Rosa, em garrafas de 110 mililitros. Como as são quantidades rapidamente Leyenda: O vingare feito a partir de uva passa é vendido na loja da Vale da Rosa residuais, esgotam.

tienda de productos derivados de la pasa
O vingare feito a partir de uva passa é vendido na loja da Vale da Rosa

Já com as uvas passas, não existe o risco de falharem na passagem de ano, mesmo tendo as sete toneladas de produção desta temporada ficado aquém do desejado. Reservemos então um dos doze desejos para que a natureza seja generosa no próximo ano e para que em 2026 continuemos a acompanhar o brinde da última noite de dezembro com passas que sabem a goma.