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Rosquillas sobre bandeja

Dia de Reis. História do Bolo Rei

O conto antigo da Confeitaria Nacional do Bolo que vindo de França se fez Rei em Portugal

07/01/2025

Texto: João da Ponte

Fotografia: Marisa Cardoso

É uma pastelaria com muito mais do que uma montra doce. É morada de História que, a partir de Lisboa, construiu uma das maiores tradições que vai do Advento ao Dia de Reis.

Era uma vez um rei sem trono, mas com um reino gigante, um império doce que atravessa fronteiras, línguas e reúne ingredientes com a bondade de um soberano clemente. O que nunca muda, mesmo que a receita admita transformações aqui e ali, é a relação do regente com os seus súbditos: fiéis, vassalos por vontade própria, uma relação com todo o consentimento deste mundo e do outro — até porque também há deuses e profetas nesta receita. Este monarca absolutista chama-se Bolo Rei, é filho de uma descendência de incontável ancestralidade, ameaçando manter-se no poder sem limite de tempo ou de espaço..

Esta história começa noutros tempos, reúne tradições romanas — por exemplo, a da fava para eleger o rei de cada festa, atribuída nas celebrações da Saturnália — transfiguradas pela arte francesa da pastelaria, apropriada que foi pelas festividades católicas. Mas foi entre a Praça da Figueira e o Rossio, centro de duas Lisboas — a antiga e a moderna — que entre nós se transformou o Gâteau des Rois em Bolo Rei. Não foi feitiço que lhe deu, foi a vontade de Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior, filho do visionário com o mesmo nome que fundou a Confeitaria Nacional, a tal que ainda hoje abre portas para a vizinhança que por lá queira parar por hábito ou vício bom e para os turistas que a curiosidade ou os roteiros até à porta encaminham. Para ambos, o encanto em jeito de palácio real permanece.

imagen doble, confitería
É no caminho entre o Natal e o Dia de Reis que a Confeitaria Nacional veste a coroa

A Confeitaria Nacional serve bolos e doces, cafés e derivados, pequeno-almoço, lanche e qualquer mata-bicho com classe, sem hora nem nome (até refeições nas mesas postas no andar de cima, que se registe e se releve). Podia fazê-lo sem prestar atenção à forma, mas aí seria outra casa, com outro nome. Esta é morada instituída por Baltasar, o pai, em 1829, que por estes dias vai a menos de 5 anos de distância de completar umas redondas 200 voltas ao sol (outro rei, agora que reparamos nisso). É o paradigma do conceito "lojas com história", onde a doçaria impera e — claro está — o Bolo Rei é tudo o que o título manda ser. Não é que seja preciso esperar por um par de meses de ano a ano para que este sítio assuma a majestade que lhe compete e garanta sentido extra, mas é no caminho para o Natal e no prolongamento da viagem até ao Dia de Reis que a Confeitaria Nacional veste a coroa.

escaparate de la confitería
A Confeitaria Nacional serve bolos e doces, cafés e derivados, pequeno-almoço, lanche e qualquer mata-bicho com classe, sem hora nem nome

Insistamos nesta palavra: coroa, redonda, com um buraco no meio, cor de ouro, brilhante, para ser vista entre os demais. Está aqui o conceito do Bolo Rei, que Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior (merece que o nomeemos por completo mais do que uma vez, naturalmente) trouxe para Portugal e adaptou, não ele mesmo, mas por intermédio das artes e obras do pasteleiro Gregório (a este tratemo-lo pelo primeiro nome, como se faz com os feiticeiros e seus associados). Mudou a massa — que ao longo dos tempos já foi do cortesão brioche à refinada folhada, noutras paragens e com outros sotaques — manteve as frutas, mais cristalizadas, mais secas, misturadas, cruzadas, abençoadas pela ambição do açúcar que insiste em ficar colado a todos os momentos que neste caso se dizem “fatias”. Além da fava ganhou um brinde, até que as regras modernas remeteram ambos para o campeonato das memórias. Vivemos bem assim, porque o Rei feito Bolo manteve-se e é inquestionavelmente indestronável.

imagen doble bisnieto de la pastelería
Nunca falta bolo porque nunca param as mãos e as máquinas e a vontade que lhe presta a devida vénia, como as de Rui Viana, proprietário e bisneto do fundador

Que o diga a própria Confeitaria Nacional, que chegada a época se transforma numa linha de montagem de ritmo construído ao longo de séculos — não é exagero, é admiração factual e respeitosa. Nunca falta bolo porque nunca param as mãos e as máquinas e a vontade que lhe presta a devida vénia: trabalhosa, mas embalada com carinho, universalmente reconhecido como ingrediente essencial e público de uma receita que admite segredos cuidadosamente guardados (a bem do Bolo, que ano após anos se faz Rei, e a bem da tradição, que é tão apreciada quanto esta coroa feita de doçura).

caja de la pastelería
A Confeitaria Nacional tem portas abertas o ano inteiro de maneira a mostrar-se palco de pastelaria vasta e ambiciosa

Uma atenção importante: a Confeitaria tem um orgulhoso Nacional no nome porque não se fica pelo Bolo Rei (e mesmo em tempos natalícios recomenda-se a viagem que vai do Pão de Ló aos Sonhos ou às Rabanadas) e tem portas abertas o ano inteiro de maneira a mostrar-se palco de pastelaria vasta e ambiciosa. Mas se é no Bolo Rei que recaem as atenções de quem nos lê e de quem a visita, saiba que pode ter de esperar entre fornadas. Ou então encomende. Faça-o de véspera, levante o monarca no local e, nos entretantos, perca-se entre a talha das paredes e as talhadas saídas das montras. Uma delícia em forma de coisa antiga sem prazo de validade.

fachada de la pastelería
Com quase 200 anos, o encanto em jeito de palácio real permanece

Confeitaria Nacional. Praça da Figueira 18B, 1100-241, Lisboa; Telefone: 213 424 470. Horário: todos os dias, das 08h30 às 20h.