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Era uma vez um rei sem trono, mas com um reino gigante, um império doce que atravessa fronteiras, línguas e reúne ingredientes com a bondade de um soberano clemente. O que nunca muda, mesmo que a receita admita transformações aqui e ali, é a relação do regente com os seus súbditos: fiéis, vassalos por vontade própria, uma relação com todo o consentimento deste mundo e do outro — até porque também há deuses e profetas nesta receita. Este monarca absolutista chama-se Bolo Rei, é filho de uma descendência de incontável ancestralidade, ameaçando manter-se no poder sem limite de tempo ou de espaço..
Esta história começa noutros tempos, reúne tradições romanas — por exemplo, a da fava para eleger o rei de cada festa, atribuída nas celebrações da Saturnália — transfiguradas pela arte francesa da pastelaria, apropriada que foi pelas festividades católicas. Mas foi entre a Praça da Figueira e o Rossio, centro de duas Lisboas — a antiga e a moderna — que entre nós se transformou o Gâteau des Rois em Bolo Rei. Não foi feitiço que lhe deu, foi a vontade de Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior, filho do visionário com o mesmo nome que fundou a Confeitaria Nacional, a tal que ainda hoje abre portas para a vizinhança que por lá queira parar por hábito ou vício bom e para os turistas que a curiosidade ou os roteiros até à porta encaminham. Para ambos, o encanto em jeito de palácio real permanece.
A Confeitaria Nacional serve bolos e doces, cafés e derivados, pequeno-almoço, lanche e qualquer mata-bicho com classe, sem hora nem nome (até refeições nas mesas postas no andar de cima, que se registe e se releve). Podia fazê-lo sem prestar atenção à forma, mas aí seria outra casa, com outro nome. Esta é morada instituída por Baltasar, o pai, em 1829, que por estes dias vai a menos de 5 anos de distância de completar umas redondas 200 voltas ao sol (outro rei, agora que reparamos nisso). É o paradigma do conceito "lojas com história", onde a doçaria impera e — claro está — o Bolo Rei é tudo o que o título manda ser. Não é que seja preciso esperar por um par de meses de ano a ano para que este sítio assuma a majestade que lhe compete e garanta sentido extra, mas é no caminho para o Natal e no prolongamento da viagem até ao Dia de Reis que a Confeitaria Nacional veste a coroa.
Insistamos nesta palavra: coroa, redonda, com um buraco no meio, cor de ouro, brilhante, para ser vista entre os demais. Está aqui o conceito do Bolo Rei, que Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior (merece que o nomeemos por completo mais do que uma vez, naturalmente) trouxe para Portugal e adaptou, não ele mesmo, mas por intermédio das artes e obras do pasteleiro Gregório (a este tratemo-lo pelo primeiro nome, como se faz com os feiticeiros e seus associados). Mudou a massa — que ao longo dos tempos já foi do cortesão brioche à refinada folhada, noutras paragens e com outros sotaques — manteve as frutas, mais cristalizadas, mais secas, misturadas, cruzadas, abençoadas pela ambição do açúcar que insiste em ficar colado a todos os momentos que neste caso se dizem “fatias”. Além da fava ganhou um brinde, até que as regras modernas remeteram ambos para o campeonato das memórias. Vivemos bem assim, porque o Rei feito Bolo manteve-se e é inquestionavelmente indestronável.
Que o diga a própria Confeitaria Nacional, que chegada a época se transforma numa linha de montagem de ritmo construído ao longo de séculos — não é exagero, é admiração factual e respeitosa. Nunca falta bolo porque nunca param as mãos e as máquinas e a vontade que lhe presta a devida vénia: trabalhosa, mas embalada com carinho, universalmente reconhecido como ingrediente essencial e público de uma receita que admite segredos cuidadosamente guardados (a bem do Bolo, que ano após anos se faz Rei, e a bem da tradição, que é tão apreciada quanto esta coroa feita de doçura).
Uma atenção importante: a Confeitaria tem um orgulhoso Nacional no nome porque não se fica pelo Bolo Rei (e mesmo em tempos natalícios recomenda-se a viagem que vai do Pão de Ló aos Sonhos ou às Rabanadas) e tem portas abertas o ano inteiro de maneira a mostrar-se palco de pastelaria vasta e ambiciosa. Mas se é no Bolo Rei que recaem as atenções de quem nos lê e de quem a visita, saiba que pode ter de esperar entre fornadas. Ou então encomende. Faça-o de véspera, levante o monarca no local e, nos entretantos, perca-se entre a talha das paredes e as talhadas saídas das montras. Uma delícia em forma de coisa antiga sem prazo de validade.
Confeitaria Nacional. Praça da Figueira 18B, 1100-241, Lisboa; Telefone: 213 424 470. Horário: todos os dias, das 08h30 às 20h.