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O ano do seu 60.º aniversário é também o primeiro sem o fundador, Eduardo Santos. O filho, Ricardo Santos, garante que o futuro do Eduardo das Conquilhas será igual ao seu passado: marisco cozinhado com simplicidade, sem invenções, e com os rissóis feitos a preceito diariamente a acamar a mariscada.
Foi o maestro e compositor Fernando Lopes-Graça quem disse a Eduardo Santos que também devia servir amêijoas. A sua cervejaria junto à linha de comboio na Parede era um clássico destas casas na época: à entrada um balcão corrido com três bicos de fogão virados para a montra e o serviço era em roda falada: “Sai prego, sai bifana”, chamava Eduardo. Servia-se muita cerveja, conquilhas apenas cozidas com sal, outros mariscos pequenos e baratos e não se limpavam do chão as cascas de tremoços e amendoins servidos com as imperiais — eram sinal de que a casa tinha movimento. Eduardo Santos não tinha muito dinheiro para investir em produtos caros, mas se um dos seus clientes mais ilustres prometia trazer amigos, valia a pena arriscar. Foi a decisão que tornou a cervejaria numa das marisqueiras mais afamadas em toda a grande Lisboa.
Na época, Eduardo Santos tinha trinta e tal anos — morreu aos 94 anos, em março do ano passado. Com o filho Ricardo Santos ao leme (e a abrir outros negócios), o Eduardo das Conquilhas está a fazer 60 anos e continua a ser do marisco caro e barato, para trabalhadores, artistas e ministros.
Berbigão e mexilhão como nos primeiros tempos, amêijoas à Bulhão Pato, lapas e ostras, vieiras gratinadas e carabineiros fritos com alho. Nos últimos 60 anos Eduardo Santos foi estendendo a oferta de marisco e continuou sempre a ter os rissóis de camarão ou berbigão que, embora não se lhe tenham colado ao seu nome, também dão fama à casa. Os pratos de bacalhau, bitoques, espetadas e arrozes de peixe e marisco também se mantiveram e as conquilhas, feitas a princípio apenas com sal — eram as conquilhas à Eduardo — fazem-se agora à Bulhão Pato. Há referência ao petisco em quadros de ponto-cruz ou azulejos pintados à mão pelas paredes, mas com as restrições à apanha, só aparecem em “40 por cento do ano”, diz Ricardo Santos.
Apesar do marisco que se tornou apelido — mais sonante do que o ubíquo Santos — a fama do Eduardo das Conquilhas construiu-se com artistas e gente influente que, na última década da ditadura, gostavam de estar recatados. “O meu pai dormia numa arrecadação aqui por cima, com duas sacas de serapilheira”, descreve Ricardo os primeiros anos a que não assistiu. “À meia-noite, as pessoas da RTP ou o Vitor Mendes [ator de teatro, pai de Fernando Mendes] ligavam-lhe a dizer ‘estamos a sair daqui’ — do teatro ou da televisão. O meu pai abria-lhes a porta e ficavam fechados cá dentro, numa sala reservada, onde hoje é a cozinha, a cantar as músicas que a PIDE não permitia”. Ali ficavam até às duas da manhã, a registar com tracinhos a giz numa ardósia os copos de vinho tirados em self-service das pipas na parede.
O passa-palavra trouxe gente influente, uma publicidade talvez melhor do que os panfletos que Eduardo mandava distribuir na praia da Parede, onde funcionava um sanatório com curas de algas e argilas. “Fabrico diário de pasteis (rissóis, bacalhau, etc.). Esmerado serviço de cozinha rápida (à vista)”, garantiam os papelinhos impressos e fiados na tipografia ao lado da cervejaria, e que é hoje uma das salas de refeições do Eduardo das Conquilhas.
A expansão aconteceu entre 2005 e 2006 e um antigo vidraceiro também se tornou sala de jantar. Não se mudou nada na decoração — as cadeiras e mesas em fórmica, os toalhetes de papel do tamanho de mesa, a memorabília pendurada — os clientes exigiram que nada mudasse e este Eduardo que se repete da mesma maneira na vida dos clientes, dos seus filhos e dos seus netos é, para Ricardo Santos, parte do sucesso. “Atualmente vendemos mais de uma tonelada de sapateira por mês, mas continuamos a fazer os mariscos pequenos de maneira natural, sem invenções. Continuamos a ser um restaurante do povo para o povo, onde vem toda a gente, até ministros”, resume Ricardo Santos.
O pai saiu da Pampilhosa da Serra, na Beira Interior, depois de ser pastor e criado, para tentar a sorte a Lisboa. Vendeu carvão num burro, entre Oeiras e Sintra, e quando conseguiu estabelecer-se sem patrão, como era o seu sonho, — à custa de muitas letras e empréstimos de amigos — empregou toda a família que pôde. O sobrinho António, “o meu Tonito”, como lhe chamava, tornou-se um empregado de sala emblemático e o filho, a quem Eduardo chamava “amor”, tinha por trabalho limpar a sala e as mesas antes de ir brincar para a praia, no verão.
O pequeno grupo de negócios a que Ricardo começa a dar forma é mais um passo neste percurso ascendente. No prédio ao lado tem um alojamento local com piscina no terraço e o restaurante Claudina, um pedido de desculpas à vizinha que todos os miúdos da rua atormentavam pelo prazer de a ver sair de casa com a vassoura na mão, a bater em tudo o que encontrasse. Enquanto o filho se entregou à gestão dos negócios, Eduardo Santos tornou-se o melhor relações públicas nos seus últimos tempos: frequentemente no restaurante, a oferecer chocolates aos miúdos ou a contar as histórias dos 90 anos.
Uma das que sempre deliciava era a do início do marisco aqui no Eduardo, que chegava de comboio vindo do Mercado da Ribeira, em Lisboa. Lopes-Graça deu a dica da amêijoa, mas ainda antes, logo no primeiro ano de casa, tinha sido uma das primeiras empregadas a sugerir servir marisco mais popular. A sua fotografia está na parede, um wall of fame legendado pelo punho do próprio Eduardo Santos. Na foto dessa empregada com mão para a cozinha e olho para o negócio lê-se assim: “Foi esta minha funcionária — a Isabel — que no dia 10 de Abril de 1965 teve a feliz ideia de criar a especialidade: “conquilhas à Eduardo” e me disse que só conseguia pagar as minhas dívidas era a vender mariscos. E foi tudo verdade”.
Eduardo das Conquilhas. Rua Capitão Leitão, 118, Parede. Quarta-feira a Sábado das 12h00 às 23h00; domingo das 12h00 às 22h30 e terça-feira das 18h00 às 23h00