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Restaurante Alma do Chef Henrique Sá Pessoa em Lisboa

Restaurante "Alma" (Lisboa)

Alma: à mesa com o mundo gastronómico de Henrique Sá Pessoa

19/12/2024

Texto: João da Ponte

Fotografia: Marisa Cardoso

Fez-se cozinheiro porque não podia ser outra coisa, porque a possibilidade de correr o mundo com pouco mais do que esta arte na bagagem tomou-lhe conta da vida. Décadas depois, tem em Lisboa um dos restaurantes mais premiados do país. E no fim da refeição é fácil perceber porquê. 

Se nunca visitou o Alma, se nunca se sentou numa das mesas postas na Rua Anchieta, numa sala com vista para a cozinha, num restaurante premiado, chefiado por Henrique Sá Pessoa, arrojado homem de negócios que na sua arte gosta de ser planeado, ponderado e conservador, então há algumas coisas que deveria saber. Coisas essas que nos são apresentadas e esclarecidas pelo próprio chef.

Saiba que o Alma é um “restaurante acessível”. Não falamos da conta, essa pode bem não ser para todas as carteiras. Este é um restaurante de fine dining e por isso mesmo que ninguém espere faturas de snack bar, nem sequer de bistrô da moda. Sá Pessoa assume que o Alma “não é um restaurante para todos os dias”. Mas, ao entrar na sala, o objetivo é que “não se sinta aquela típica intimidação que às vezes acontece nos restaurantes como este, aqueles que não nos deixam estar à vontade”. E demos-lhe razão.

O Alma propõe dois menus, o Costa a Costa e o Alma, e escolha à la carte.
O Alma propõe dois menus, o Costa a Costa e o Alma, e escolha à la carte.

No Alma não estamos em casa e nem é isso que queremos. Queremos que seja especial, mas como se tivesse sido feito especialmente para nós e é isso que daqui levamos. Porque o serviço é sorridente, porque os pratos são tão requintados como são recuperados de uma qualquer memória gustativa que podemos nem sequer nomear, porque a degustação pode passar as duas horas, mas tem um fim marcado pouco depois — “a partir daí começa-se a perder o interesse, a experiência prazerosa pode começar a tornar-se ameaçadora e cansativa, como um concerto que quando chega às três horas já deixa muita gente a pensar quando é que tudo aquilo acaba”.

Cozinha autoral de forma descomplicada, é assim que se apresenta o Alma
Cozinha autoral de forma descomplicada, é assim que se apresenta o Alma.
A carta de vinhos inclui alguns dos produtores incontornáveis do país, mas também vinhos naturais e propostas ousadas.
A carta de vinhos inclui alguns dos produtores incontornáveis do país, mas também vinhos naturais e propostas ousadas.

Continuemos: o Alma está pronto para não ficar quieto na filosofia gastronómica que apresenta a quem o visita. Henrique Sá Pessoa leva à mesa o resultado de todas as contas que vai acumulando na sua aritmética culinária pessoal: “Lisboa é uma cidade completamente diferente daquela em que o Alma primeiro abriu portas, vai para dez anos. Os restaurantes também são totalmente diferentes. O facto de haver mais cozinhas premiadas também influencia a atitude na cozinha. Todas as nacionalidades que por aqui se cruzam, a segmentação de mercado, das novas tascas aos clássicos, dos restaurantes indianos aos mexicanos... A nossa cozinha é portuguesa, mas é viajada. Quanto ao resto, está sempre em mudança”.

A inspiração de Sá Pessoa vem da cozinha tradicional portuguesa, das viagens que faz pelo mundo e da paixão pela Ásia
A inspiração de Sá Pessoa vem da cozinha tradicional portuguesa, das viagens que faz pelo mundo e da paixão pela Ásia.

Fique também com esta certeza: o estatuto do Alma resulta do trabalho de um cozinheiro (mas não só) que nunca teve tamanho objetivo. Aliás, Sá Pessoa diz que só queria cozinhar, fazer carreira e colher todos os eventuais proveitos associados: “Uma das coisas que sempre me aliciou na cozinha é que é das poucas profissões onde se pode viajar pelo mundo. Posso sair daqui e ir para o meio da China com uma mochila às costas e arranjar um trabalho em algum sítio numa cozinha, trata-se de liberdade e de horizontes inacabáveis. Mesmo que não o queira fazer, saber que é uma opção influencia a minha vida. Estive três anos em Londres, dois anos nos Estados Unidos, outros três na Austrália”.

A cozinha está oleada até ao mais ínfimo detalhe
A cozinha está oleada até ao mais ínfimo detalhe.
A equipa prepara durante a preparação do jantar
A equipa prepara durante a preparação do jantar.

A máquina do Alma é oleadíssima, apurada até ao último detalhe. Mas que tudo fique bem esclarecido: ninguém aqui está disposto a embarcar numa velocidade de cruzeiro. “Estamos na Liga dos Campeões e isso garante uma pressão constante. A minha meta é que cada ano seja sempre melhor do que o anterior, que o mais recente menu seja mais aliciante que aquele que veio antes”. Mas ser aliciante não significa, para Henrique Sá Pessoa, uma mudança constante, uma permanente necessidade de arriscar. “Dizem-me que o Alma não arrisca muito. Não, nós não arriscamos. Porque não é o meu estilo. Sou calculista, sempre fui, sou um tipo de rotinas.” Palavra de Sá Pessoa, que coloca a reflexão num ponto de vista bastante pragmático: “Quando vai a um restaurante onde já esteve várias vezes, come pratos novos ou os pratos que já conhece e de que gosta muito?” Este que vos escreve engole em seco e lamenta não estar a saborear o que a memória gustativa tem em arquivo.

Carabineiro com alho francês tostado, milho, emulsão de amêndoa e laranja, um dos clássicos do chef Henrique Sá Pessoa
Carabineiro com alho francês tostado, milho, emulsão de amêndoa e laranja, um dos clássicos do chef Henrique Sá Pessoa.

Já agora, se nunca foi ao Alma, conheça a certeza de Henrique Sá Pessoa: “Tenho consciência de uma coisa, quem vem ao Alma nunca vai dizer que não teve uma refeição espetacular. Pode até dizer que não foi a melhor que teve na vida, mas uma má experiência nunca vai acontecer, e essa é a coisa mais importante”.

Pregado com puré de salsa, pickle de cogumelos de verão e molho pica-pau
Pregado com puré de salsa, pickle de cogumelos de verão e molho pica-pau.
Sorbet de yuzu, algas cristalizadas e curd de citrinos.
Sorbet de yuzu, algas cristalizadas e curd de citrinos.

Coisa mais importante essa que se garante, por exemplo (e há tantos) com o Carabineiro com alho francês tostado, milho, emulsão de amêndoa e laranja, notável na forma como rapidamente deixa de ser o carabineiro que esperávamos para se tornar num roteiro de palato bem mais ambicioso, inesperado e, ao mesmo tempo, familiar; com o Pregado com puré de salsa, pickle de cogumelos de verão e molho pica-pau, perfeito para destruir certezas de quem diz que o peixe começa em X e acaba em Y, aqui o alfabeto tem letras que nunca ponderou antes; ou com Mar e Citrinos 2.0, um sorbet de yuzu, algas cristalizadas e curd de citrinos, a sobremesa que não é doce, mas não é salgada, que não é cremosa e que também não é crocante, que não é um fim, mas que não precisa de ser continuada por coisa nenhuma.

Depois de ter tido algumas moradas, o Alma abriu portas no Chiado em 2015.
Depois de ter tido algumas moradas, o Alma abriu portas no Chiado em 2015.

Em degustação ou à carta, ao ritmo de cada momento ou seguindo os momentos que o chef desenha para cada comensal: se nunca visitou o Alma, importa sobretudo ter em conta que depois de o ter feito, já vai fazer parte de um outro grupo de pessoas — as que já lá estiveram, claro. Se já foi ao Alma, a informação acima pode parecer dispensável, a não ser pela razão mais óbvia: vai dar-lhe vontade de voltar.

Alma. Rua Anchieta, 15. Lisboa. Telefone: 213 470 650