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Alessandra Montagne costumava vender coxinhas com um cesto pelas ruas de Poté, a pequena cidade de Minas Gerais onde cresceu. Na verdade, nasceu no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, mas, oito dias depois, a mãe deixou-a ao cuidado dos avôs, que já tinham nove filhos. “Eu vendia na rua, foram anos muito difíceis da minha vida que coloquei debaixo do tapete”, recorda a chef brasileira de 47 anos. “Mas chega uma hora que fica muito difícil de guardar. É um silêncio barulhento, sabe? Então, decidi que a coxinha ia voltar à minha vida, mas de uma maneira diferente. Hoje, todos os meus restaurantes têm coxinha.”
O Cícero, em Lisboa, onde Alessandra é head chef desde Novembro do ano passado, não é excepção. As coxinhas, ao lado do pão de queijo com caviar e do pastel de nata de couve-flor, fazem parte das entradas do bistrot em Campo de Ourique, com um menu de degustação que começa nos 65 euros por pessoa.
No ano em que abriu, em 2022, o restaurante deu nas vistas por ter sido escolhido por Lula da Silva para um almoço à chegada a Lisboa. Paulo Dalla Nora, empresário, colecionador de arte e um dos sócios do Cícero, fez o convite ao, na altura, recém-eleito presidente do Brasil, que aceitou. “Ele também é pernambucano como eu e como o Cícero”, explica, referindo-se ao pintor modernista Cícero Dias, que dá nome ao espaço.
Paulo chegou a Lisboa também em 2022 e só meses depois, em contentores, chegava a sua colecção de arte, que agora anima as paredes das três salas do restaurante, uma no piso térreo, a recriar um bistrot parisiense – ou não fosse Campo de Ourique o bairro mais francês da cidade – e duas na cave, onde fica a cozinha, outrora o armazém de uma loja de roupa.
Foi na sala mais recôndita, com um oratório do século XVIII, um enorme painel de madeira com personagens do folclore do Nordeste do Brasil e uma pintura de Lula Cardoso Ayres com mulheres baianas, que Lula da Silva e a sua comitiva terão almoçado numa tarde de Novembro.
É, no entanto, no andar de cima do restaurante que se esconde a “obra mais significativa” da colecção de Paulo. “Uma aguarela de Cícero Dias, da década de 20”, orgulha-se. “Foi a primeira obra que comprei, em 1997, aos 22 anos. É a única obra que está aqui no restaurante do período antes de Cícero ir para Paris.”
O pintor Cícero Dias, que morreu em Paris em 2003, e a chef Alessandra Montagne, que se mudou para a capital francesa em 1999, aos 22 anos, nunca se cruzaram. “Mas é como se a Alessandra fosse o Cícero Dias de hoje”, comenta Paulo. “Um na pintura, outra na gastronomia. A Alessandra também saiu do Brasil para desenvolver a arte dela em Paris e contar a história do Brasil, com a sensibilidade e a percepção dela. Os dois vêm de Brasis muito diferentes. Cícero era um aristocrata, é um país de contrastes.”
Alessandra, a head chef do Cícero, aprendeu a cozinhar com a avó e com as tias na roça. “Lá as mulheres são educadas para ser mães de família, para saber cozinhar, para cuidar da casa”, diz. O destino quis que fosse estudar Francês para Paris, onde a sua mãe morava, mas não lhe passava pela cabeça tornar-se chef. “Dos meus amigos, eu era a única que sabia cozinhar e toda a gente dizia que devia abrir um restaurante.”
Na altura, a ideia parecia-lhe um “atrevimento”, sobretudo no “país da gastronomia”, mas acabou por concretizar-se. “Sempre me senti valorizada quando fazia um prato para as pessoas e isso era muito bom. Em criança nunca fui valorizada, nem quando tinha boa nota, porque era a minha obrigação.”
Na capital francesa, trabalhou com chefs reconhecidos como William Ledeuil ou Adeline Grattard até abrir o seu primeiro restaurante, o Tempero, em 2012. “Funcionou muito bem”, conta. “Deu rápido muito certo.” De tal maneira que em 2020 abria um segundo espaço, o Nosso, e no ano seguinte a L’Épicerie Tempero.
Com tantos projectos, e a preparar-se para, em Junho, assumir o comando de um restaurante no Museu do Louvre com o chef Alain Ducasse, conseguiu ter tempo para dar um ar da sua graça em Lisboa e assinar a carta do Cícero no final de 2024.
O convite partiu dos donos do restaurante alfacinha. Além de Paulo Dalla Nora, também Ana Carolina Silva, a outra sócia, rendeu-se aos pratos de Alessandra. Aliás, é ela que os replica enquanto chef executiva e toma conta da cozinha quando Alessandra está em Paris. “Às vezes até melhor do que eu”, brinca a brasileira.
Um dos pratos mais emblemáticos do menu é a poitrine de porco com aipo fumado e beterraba (42 euros), que já pertencia à carta do primeiro restaurante de Alessandra, agora numa versão aprimorada. “Foi um pouco graças a ele que Paris me descobriu”, confessa a chef.
A ideia da carta é fundir a gastronomia francesa com a brasileira, com ingredientes portugueses, de produtores locais. “Trouxemos um menu que refletisse a história da Alessandra, mas que tivesse um pouco de Portugal”, resume
Além da poitrine, o velouté de cogumelos e sarraceno (22 euros) é um dos pratos mais elogiados, tal como o colorido carabineiro com risoto de cevada e abóbora (58 euros) ou o bacalhau com couve, beurre blanc de champanhe e arroz negro (42 euros). A homenagem a Cícero Dias, o protagonista da casa, faz-se, sobretudo, com a sobremesa, uma variação de limão com formas geométricas (18 euros), a replicar um quadro do pintor modernista.
Cícero. Rua Saraiva de Carvalho, 171, Lisboa. Domingo a quinta-feira das 19h15 às 23h45; sexta e sábado das 19h15 às 00h00. Telefone: 966 913 699