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O croquete costuma ser boa companhia. O único problema é a dúvida: quando não sabemos ao que vamos, o croquete é o paradigma das iguarias aparentemente simples — são muito mais complexas do que parecem e qualquer desvio pode resultar numa enorme desilusão. Sorte a nossa que, para manter a ordem desejada no universo, existem sítios como o Galeto. Como diz a canção daquela outra série clássica da TV, queremos sempre ir onde sabemos que toda a gente tem os mesmos problemas. E querer um bom croquete é um belíssimo problema, que nesta casa tem a melhor solução: é ótimo.
Mas o dito recheado de carne é apenas o pavio desta bomba do bem, que a cada visita explode em tradição, estilo, conforto e boa comida. O Galeto é uma das mais clássicas casas de Lisboa. Mais do que um restaurante, é uma morada de hábitos: há quem o visite todos os dias (há mesmo), quem o faça semanalmente e quem lá entre sem plano. E mesmo para estes últimos, é sempre um regresso que soa a estadia familiar, apesar da quantidade de gente que por lá passa. Acrescem os estreantes, que embasbacam de cada vez que botam os olhos no balcão corrido que dá a volta a toda a sala, nos empregados fardados, na meia luz acolhedora, na cozinha à vista e no menu.
As iscas com batata cozida afogada em molho de felicidade; o bife à galeto que é o favorito de muito bom líder de repúblicas à beira mar plantadas; o tártaro que é um clássico requintado; a língua de vaca que arrasta cuidadosos estetas do paladar; o clássico canja de galinha+prego no pão, dupla que parece dançar o tango à nossa frente; ou os crepes que figuram na secção “sobremesas e entremeios” — ninguém avisa, mas basta um para alimentar uma família, ainda que o continuemos a adorar como presente secreto que não queremos partilhar.
O Galeto, fundado em 1966, está aberto das 07h30 da manhã às 3h00 da madrugada do dia seguinte, que a hora da refeição é quando a vontade manda. E é assim todos os dias do ano. Todos, incluindo Natal, Ano Novo e restantes feriados. Só encerra no dia 1 de maio, Dia do Trabalhador, em homenagem e respeito aos que verdadeiramente o constroem: os que nos estragam com mimos.
Se a visita for feita de noite, provavelmente o horário mais charmoso do Galeto (nada contra o serviço diurno, é uma questão de ciclos circadianos), tudo começa precisamente com um empregado: Filipe Ferreira, 51 anos, de sorriso genuíno e voz de rádio confessional que acolhe todos os comensais e os leva ao lugar designado para tomar a refeição. Filipe é o “senhor que nos senta”, é a primeira cara que nos olha nas íris, que nos diz “boa noite”, que nos pergunta quantos somos e nos atribui cadeiras giratórias, como se ali tivessem sido colocadas propositadamente para nós.
É como se Filipe Ferreira — ou o senhor Filipe — fosse o segurança à porta do melhor clube da cidade, de quem queremos ser amigos e a quem desejamos fazer muitas perguntas, ele que já fez tanta coisa na vida (ninguém imaginaria) e tanta coisa faz neste Galeto. Tivemos a graça de o conhecer melhor, numa conversa que até incluiu — naturalmente — croquetes.
Sobretudo à noite, e apesar do tamanho do restaurante, é habitual encontrarmos filas generosas de pessoas à espera de lugar. E é o Filipe que tem a função de as receber, de as encaminhar, mas também de as aturar, quando é preciso. Apesar da exigência da função, está sempre impecável, sorridente e muito calmo. Como é que faz isso? A primeira coisa que me ajuda é a minha paciência. Tenho muita. Com o meu background, que não tem só a ver com a restauração, habituei-me a ser paciente.
Tenho 51 anos. Fui professor universitário durante 15 anos. De turismo, gestão hoteleira, gestão de eventos, marketing turístico. E tive restaurantes meus. E como a vida é um carrossel, de altos e baixos, temos de trabalhar e andar para a frente. E procuro sempre que aquilo que estou a fazer agora, no presente, tem de me fazer feliz, de alguma maneira.
Exato. Passar para a frente. Às vezes parece que vejo o Galeto como se fosse meu. Faz parte de mim. Por isso tento que as pessoas tenham uma experiência interessante. Quando estou a sentar pessoas, não estou apenas a sentar pessoas, estou a sentá-las em sítios específicos, onde acho que elas querem ficar, onde acho que elas vão estar confortáveis. Há alguma arte nisto, não se trata apenas de ver quantas pessoas tenho à frente e quantos lugares vagos existem. É mais complexo. Fora tudo o resto que tenho para fazer.
Supervisor de operações
Não. É um bocadinho acima, ou seja, o chefe de sala tem a função de gerir a sala, por exemplo, sentar as pessoas, resolver problemas. Embora aqui no Galeto, como é um estabelecimento com muitos anos e parece que funciona sozinho, acabo por ser muito como o chefe de sala, mas um pouco mais abrangente, porque tenho que definir algumas coisas que o chefe de sala tem de fazer também. Na prática, tanto posso estar a sentar pessoas como a apoiar os meus funcionários a cancelarem os sistemas, posso estar a levantar mesas, a pôr mesas e a servir. Faço o que for preciso para ver o cliente satisfeito. Basicamente, é sempre esse o meu foco. Na verdade, sempre foi, portanto vejo isto como uma passagem.
Nem eu sei bem... Como disse, a vida é um carrossel, dá muitas voltas e temos que trabalhar. Com 48 anos, a idade que tinha na altura, mandava currículos e nada aparecia. Estou a falar do pós-pandemia, os restaurantes estavam em crise, ninguém me chamava. Acabei por ir para o Algarve trabalhar, mas antes disso devo ter enviado o currículo para o Galeto. Ligaram-me quando estava a trabalhar num hotel e surgiu esta hipótese, que significava também o regresso a Lisboa, onde estava a minha família. E eu queria trabalhar num restaurante. Assim que cheguei, vi logo que era o sítio para mim. Apesar do horário da noite.
Todos os dias, menos à segunda-feira. Seis dias por semana, uma folga. Não é fácil. É preciso gostar. Nove horas por dia, às vezes onze. Fazer o fecho, sair às seis da manhã, por vezes. A minha mulher trabalha de dia, eu trabalho de noite, ela folga ao fim de semana, eu folgo à segunda. É complicado. Mas o ambiente do Galeto durante o dia também não é a mesma coisa.
Os funcionários, os clientes, o ritmo, a energia. Não tem nada a ver. Já pensei: se o meu chefe se reformasse e se me chamassem para fazer o dia, eu ia, mas teria de me adaptar outra vez. Ia ter saudades de algumas coisas.
Já me aconteceu ficar mal disposto. De vez em quando é preciso resolver conflitos. E às vezes não são fáceis. Felizmente, para o número de pessoas que o Galeto recebe e para o tipo de pessoas que o Galeto recebe, que é toda a gente, há muito poucos problemas. Talvez já me tenha saltado a tampa umas… três vezes, vá. Mas orgulho-me do que tenho conseguido.
Comecei a trabalhar muito cedo, embora não precisasse. Trabalhei numa biblioteca, trabalhei como estafeta, trabalhei em bares, já fiz muita coisa. Mas agora estou aqui para ficar. Fiz um mestrado, gostava de fazer um doutoramento, mas é difícil conseguir fazer tudo com estes horários.
Em Enoturismo. Terminei com uma nota média, mas está feito.
Tantas vezes. E às vezes faço-o. Porque tenho a minha hora de jantar. E se nessa hora, se tiver um cliente que eu sei que quer eu lhe faça companhia, se eu gostar da companhia dele, porque não?
Digamos que é uma hora. Não interessa bem qual, é quando der. Ainda há poucos dias jantei eram duas e um quarto da manhã, um prego, já não tive tempo para mais. Mas uns dias depois jantei às nove e meia da noite. É tudo muito imprevisível.
O meu favorito talvez seja o bife tártaro. Mas também posso pedir alguma coisa e fazer uma alteração.
Consigo, mas tento não alterar muito. Por uma razão muito simples: se há um cliente ao lado que vê e depois pede a mesma coisa, é chato.
É muito variado. Há muita gente que pode vir ao Galeto para comer uma canja, um croquete e um prego. Os croquetes são uma maravilha, estão cada vez melhores... Mas também há pessoas que vêm de propósito para comer língua de vaca. Outras vêm para o tártaro, que também é muito famoso. O Galeto tem uma vantagem: tem lugar para todos e tem preços para todos. Além disso, tem horários para todos, por isso há quem venha aqui à noite para “comer alguma coisinha”, mesmo que já tenha jantado. Mas para quem quiser um camarão-tigre ou um filé mignon, também há.
Tantos. Alguns mais novos, na casa dos 30, que vêm várias vezes por semana. Uma, duas, três, quatro. Às vezes parece que somos uma família. E há alguns mais velhos que vêm jantar todos os dias. Todos. Por vezes, algumas situações de clientes habituais exigem que eu tenha uma atenção especial. Por se sentirem tanto da casa, por vezes passam à frente da fila, sentam-se onde querem... E eu tenho de exercer a tal diplomacia.
Sempre da mesma maneira. Digo por exemplo: “Dez pessoas? Vai ser muito difícil de ficarem juntos, mas se quiserem esperar, vai acontecer. Se tiverem pressa, vou tentar separá-los de maneira a ficarem próximos”.
Sim, claro. Eu consigo, demora é mais tempo. E é neste jogo, entre grupos maiores e grupos mais pequenos, que por vezes se geram as tais “complexidades”. É nesses momentos e na hora do fecho. Às três da manhã já não entra ninguém, às três e meia sai toda a gente. E eu faço questão que às três e meia saia mesmo toda a gente, porque tenho os meus funcionários à espera para comer a ceia. E enquanto houver clientes na casa, ninguém pode comer a ceia.
Uns 150. Fazemos tudo cá. Acho que a única coisa que não é feita cá é o pão de forma, as carcaças e as bolas de mistura. O resto é tudo feito cá.
Ainda há pouco tempo veio cá o Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, vem cá de vez em quando. Costuma comer o bife à Galeto. O Gilmario vem cá muitas vezes. A Cuca Roseta. O David Carreira. O Ruben Dias. O João Quadros. O Ricardo Araújo Pereira. O Rui Reininho. O Jorge Palma. Tento não chatear ninguém, mas com estes dois últimos não aguentei: tive de tirar fotos com eles.
Galeto. Avenida da República, 14, 1050-191, Lisboa. Todos os dias, das 07h30 às 03h. Telefone: 213 544 444