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Entre o Atlântico e uma horta tropical, assim está o Il Gallo D’Oro. No hotel Cliff Bay, no Funchal, com vista para o oceano, esta localização entalada não é uma sentença de isolamento. Benoît Sinthon, o chef francês que lidera o Il Gallo D’oro há 20 anos, fez desta insularidade um elogio aos peixes madeirenses e uma oportunidade para afirmar o potencial dos vegetais na alta cozinha.
“Se me dissessem em 2021 que os legumes iam ter protagonismo em 30% do meu menu, eu não acreditava”, reflete Benoît Sinthon sobre os últimos anos, enquanto nos mostra o cofre do restaurante. Logo à entrada, uma porta abre-se para a garrafeira onde numa mesa alta se fazem provas e nascem, em conversa com o sommelier Leonel Nunes, ideias para novos pratos e harmonizações. Nesta sala pequena, as luzes são baixas e a atenção fica mais concentrada, acontecem heurecas criativas, mas nenhuma como aquelas que Benoît Sinthon viveu durante a pandemia, ao ar livre no meio da horta do restaurante.
“Hoje passo mais tempo na cozinha, mas durante o covid era o contrário: passava 90 por cento do tempo na horta — a apanhar, a semear, a provar”, recorda o chef que convenceu o diretor do Cliff Bay a dedicar algum do terreno deste hotel de luxo à agricultura. Isto foi por volta de 2016, quando o restaurante recebeu vários prémios e muita atenção internacional, levando Benoît a querer estar à altura da expectativa e subir mais uns degraus. “A horta trouxe uma frescura incrível. Posso ter um bom fornecedor, mas se os produtos viajam por três dias já não são a mesma coisa. A nossa horta está a dois quilómetros de distância”, explica o chef francês que vive na Madeira desde 1990 e lidera este restaurante desde 2004.
Com uma área de cinco mil metros quadrados (e prepara-se para crescer) cultivam-se os legumes queridos de uma cozinha francesa clássica — os espargos, as ervilhas — mas também os desta ilha tropical — a pimpinela (ou chuchu), a batata doce, as frutas tropicais. E vale a pena ser agricultor na Madeira, porque todo o ano é uma época fértil, com muita água e sol, sem longas invernias. É uma euforia para o chef que, por causa dos dias que passou na horta durante a pandemia, tem no seu menu quatro momentos dedicados exclusivamente à horta — além das sobremesas que destacam a banana e outras frutas madeirenses.
Logo ao início serve-se beterraba com framboesas (a primeira a puxar pelo doce terroso, a segunda pela acidez) e logo depois uma tartelete com chutney e mousse de abóbora que enche toda a boca de um doce vegetal. Leonel Nunes serve Champanhes para os acompanhar, os únicos vinhos estrangeiros da harmonização que quer ser uma viagem por Portugal, do Dão à Bairrada, do Douro à Madeira. Com este casamento de vegetais e vinhos franceses não se pode ignorar uma certa influência da origem de Benoît nisto tudo. Atribui o facto de ser “fanático por vegetais” à sua terra Natal, em Provence, conhecida pela produção de legumes e frutas. “Quando trabalhava em Côte d’Azur, lembro-me bem de sentir o cheiro intenso dos produtores a chegar, o cheiro intenso dos pimentões na rua”, lembra com entusiasmo.
Num muito clássico restaurante de alta cozinha, onde a nobreza dos pratos está silenciosamente ligada aos animais cozinhados, os tais quatro momentos dedicados à horta parecem ser um pequeno abanão. “Vamos ver o que dizem as tendências e como aceita o cliente, podemos vir a ter mais momentos destes”, diz o chef que acaba de introduzir no menu um novo prato vegetal. Chamou-lhe Folhas Verdes e é uma exaltação das aparas que se descartaria na cozinha: formam uma folha com textura de pudim que esconde um muito subtil caril, inspirado no caril verde tailandês, com batata doce, ervilhas, couves e tapioca.
Os pratos focados apenas nos vegetais são sabores vibrantes nos menus de degustação do Il Gallo D’Oro, mas Benoît não se despediu dos seus produtos de sempre. Mantém uma ligação íntima com a cozinha francesa, não só na técnica (que percorre todo o menu), mas também em alguns produtos diletos e pouco madeirenses, como o foie gras, que aparece na sua requintada Bola de Ouro, a vieira ou o pombo. Esta ave, difícil para muitos, não tem segredos para Benoît Sinthon: “Em vez do pombo de caça, uso pombos com apenas 30 dias de um fornecedor de França. Nunca voaram e por isso não têm músculo”.
Nas mesas viradas para o Atlântico, o peixe faz-nos voltar à ilha: nisto prefere a frescura e o terroir madeirense aos nomes sonantes. “No Il Gallo D’Oro não vai encontrar linguados, pregados, tamboril. Tem de ter cavala, pargo, charuteiro, que são os peixes da ilha”, diz o chef. O charuteiro (ou lírio) inicia esta vista para o mar, servido com um dashi de peixe, gengibre e erva caninha, muito aromático e até guloso. O peixe espada, já trabalhado de diversas formas no Il Gallo D’oro, é outro desses peixes imprescindíveis: agora chega à mesa sobre pedras vulcânicas, num inesperado taco com tremoço e, ao lado, um snack com o peixe cru e temperado para fazer lembrar uma cebolada. ”.
Só o nome continua a denunciar que, há mais de 20 anos, o Il Gallo D’oro foi um restaurante italiano. Com a sua escola francesa e o encantamento pela Madeira, não teriam sido as massas a agarrar Benoît nestas duas décadas. “O meu interesse em estar aqui foi a oportunidade de fazer um caminho português e, sobretudo, madeirense. Perguntam-me porque é que somos tão premiados: é o terroir, não se pode ter isto noutro sítio”, resume Benoît Sinthon, um madeirense convertido.
Il Gallo D’Oro. Hotel The Cliff Bay, Estrada Monumental 147, São Martinho, Funchal. Terça a sábado, 19.00-22.00. Telefone: 291 707 700.