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Javi Abascal tinha contas a acertar com aquela terra de pastagens e alma rural que o viu crescer. Sobretudo com Fuenteheridos, a aldeia com apenas 600 habitantes localizada entre Aracena e Jabugo, onde os seus pais decidiram comprar uma casa quando ele nasceu. Foi assim que este pequeno recanto do sul se tornou o protagonista incontornável da sua infância e adolescência, mas também da sua idade adulta: hoje, a sua esposa e filhos também usufruem dos benefícios da serra de Huelva sempre que têm oportunidade.
Por isso, voltar à sua terra adotiva, digna anfitriã de tudo o que está relacionado com o porco ibérico (e muito mais), estava na sua lista de sonhos por realizar. Porque foi muito perto dali, na localidade de Los Marines, que o chef sevilhano começou a trabalhar nos fogões assim que terminou a sua formação.
Depois de alguns anos à frente do restaurante El Sauce, teve de fechar as portas e voar para prosseguir a sua carreira em Sevilha, onde o sucesso não demorou a chegar. Agora, com o LaLola no seu ponto de maturação, uma carreira estável e um nome feito além das fronteiras andaluzas, tinha chegado o momento de voltar a casa.
Ver um chef a ter prazer com a sua profissão é um acrescento a qualquer experiência culinária. Vê-lo a transbordar de felicidade é algo que não tem preço. É isso que Javi Abascal nos transmite assim que vem ao nosso encontro no caminho que une a área de estacionamento à porta principal do Lieva: o sorriso de orelha a orelha denuncia o momento da vida em que se encontra.
"Este é o projeto da nossa vida. É um trabalho em conjunto com a minha mulher Magdalena. Investimos tudo o que temos nisto. O meu objetivo é vir morar para aqui e colocar esta localidade no mapa", diz o chef ao entrarmos no interior do restaurante.
Um edifício antigo nos arredores de Fuenteheridos, com fachada branca e bordas bordeaux que, por muitos anos, abrigou a La Capellanía, uma churrasqueira de referência na região. Depois de décadas ao abandono, Abascal decidiu resolver o problema com as próprias mãos. "Venho cá todos os fins de semana com a minha família e já via esta casa abandonada há muito tempo. Um dia fui à Câmara Municipal para averiguar a situação do edifício e disseram-me que tinha sido leiloado três vezes sem sucesso", confidencia.
Pôs imediatamente mãos à obra para tornar realidade este projeto, que já estava a borbulhar há tantos anos na sua cabeça. Seria esta o recanto ideal para montar o seu próprio refúgio gastronómico na serra de Huelva? Hoje, cruzar as portas do Lieva, o nome dado às valas de rega da região, é viajar ao passado com um pé no presente mais inovador. Isso é evidente na decoração, no menu e, naturalmente, no talento de quem dirige o novo restaurante. A vanguarda está mais do que servida.
Sentamo-nos numa das salas do restaurante Lieva, preparados para nos deixarmos levar. Uma luz cálida e agradável esgueira-se pelas persianas, refletindo subtilmente os seus raios nas toalhas de mesa e no chão. O linho veste cada mesa, elegantemente decoradas com objetos de vime e rattan. Velhos tijolos de barro substituem os aplique nas paredes. O chão é o mesmo de sempre: os mosaicos hidráulicos coloridos datam de 1907, estando presentes até nos rodapés.
Sentamo-nos nas cadeiras de junco e não temos de esperar muito para que chegue à mesa um bom prato de presunto ibérico: as coisas não podiam começar melhor. No nosso lugar, junto a um original mural de um porco ibérico na parede, o olfato faz-nos intuir que as brasas já estão a trabalhar non stop. "O que eu quero fazer aqui é o que já faço no LaLola, que é focar-me principalmente no porco ibérico. Nesta aldeia, e em toda a região, não existe nenhum espaço que trabalhe um pouco melhor certos ingredientes. Quero dar destaque aos grandes produtos locais, que vão além da carne", diz Javier, antes de nos servir um aperitivo que é uma homenagem ao LaLola: massa sablée com azeite, chouriço ibérico de bolota muito picado e chocolate branco.
Quando o chef fala de dar destaque a certos produtos, está a referir-se, entre outras coisas, à horta da serra, repleta de legumes maravilhosos que usa para deliciar o paladar dos comensais. Pudemos comprovar isso mesmo com os deliciosos alhos-franceses grelhados e finalizados com uma salsicha de Aroche elaborada com anis. Um ingrediente que estripam e refogam, para servir com uma redução de cogumelos, manteiga e Oloroso, um vinho fortificado da região.
Também elogia o interior de Huelva, com os seus inimitáveis méis e queijos, sem esquecer os frutos secos e os cogumelos. "Só trabalho com produtores daqui. Tudo o que compramos, exceto o peixe que é trazido da costa de Huelva, é produzido a menos de 20/25 quilómetros de distância. Por exemplo, a carne vem de Alájar ou da casa Tartessos, que tem um matadouro em Jabugo", destaca.
No coração do solar encontra-se a velha lareira, que antevê outonos e invernos passados ao calor do seu fogo. A atmosfera do restaurante flui, em grande parte graças à experiência de Iván Casteggio, que veio do LaLola para assumir o controlo da sala e defender a filosofia deste projeto como ninguém. Os pratos vão e vêm, deixando um detalhe bem evidente: as miudezas continuam a conquistar a maioria das receitas que o chef usa para cativar os seus clientes. Não demoramos a provar isso mesmo: as orelhas escalfadas e depois fritas, servidas com molho de limão, abacate e iogurte, são uma autêntica revelação.
E não para: era o que faltava. Deliciosas receitas continuam a inundar a mesa, confirmando que a estreia de Abascal neste recanto do sul de Espanha é um verdadeiro sucesso. "As abas de costela desossadas são servidas com um creme de curgete, tomate e batata ao qual damos textura e um toque de cominho e pimenta. Preparamos como se fosse um mil-folhas, com muito peso por cima, para que a própria gelatina da costela o tornem compacto", explica o chef.
Dentada a dentada, saboreamos a serra de Huelva. Por enquanto, estas receitas estão disponíveis à la carte ou em pequenos menus de degustação. "Já estamos a pensar num menu de degustação completo para 2025. Por enquanto, estamos a fazer menus mais curtos. O preço é de 38 euros e o menu é composto por pratos anunciados no local", sublinha. Este é apenas um exemplo da revolução gastronómica que o restaurante Lieva trouxe para esta região. Não só está a atrair visitantes e curiosos das capitais vizinhas, como também está a conquistar a própria população local.
Iván enche o copo de vinho e a festa não perde o ritmo: ao ragu de veado (veado cozinhado muito lentamente para ficar bem macio, acompanhado com gnocchi de batata com pesto genovês e parmesão de 24 meses) segue-se a pluma ibérica maturada em gordura de presunto durante 25 dias, com guarnição de boletos e uma base de cogumelos e manteiga.
No momento da sobremesa, a experiência volta a superar as elevadas expetativas: "A pera nashi é um enxerto japonês entre a pera e a maçã, com forma e textura de maçã, mas com o sabor da pera", explica Iván, que prossegue a sua explicação: "Fazemos um carpaccio com a pera e acompanhamos com uma gelatina de azeite, crumble de alecrim, um sorvete de pepino e um gel de yuzu e limão". Um toque fresco e doce para limpar o paladar.
O ponto culminante é a tarte de maçã fina com amêndoa crocante e o toucinho do céu com creme de limão e crocante de presunto ibérico. Abascal em estado puro: acabámos de comer o interior de Huelva. "Eu tinha uma enorme espinha cravada nesta serra, que agora se tornou na minha vida. É isto que me faz levantar todas as manhãs cheio de entusiasmo", reafirma o chef antes de se despedir.
Termina assim uma viagem gastronómica e uma viagem de vida. Uma aventura que prometia e que deu forma a uma experiência excecional. Não há melhor forma de mostrar que a felicidade é o ingrediente que nunca deve faltar numa cozinha. Neste momento, Javi Abascal transborda esse ingrediente.
LIEVA RESTAURANTE IBÉRICO. N-433, 21292 Fuenteheridos, Huelva Tel.: (+34) 679 14 29 85