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Anabela empurra a porta que dá para a cozinha. Com a cabeça a espreitar, avisa, «Estão aqui as chaves, filho». Rodrigo Castelo anui, pegando num frasco de alburnos em azeite e examinando se a conserva está do seu agrado.
O brilho deste pequeno peixe seduz a mãe. «Está tão bonito», exclama, com o olhar tão brilhante quanto a luz que emana do frasco. «São pequenos e parecem inofensivos», observa Rodrigo, «mas comem tudo o que é ovos de outros peixes. São uns predadores».
Os predadores, principalmente os das águas doces do Tejo, são a fixação de Rodrigo Castelo, chef do restaurante ribatejano Ó Balcão. «A ideia é comer os predadores para manter os nativos», explica, com a atitude de um cientista discorrendo sobre a fauna.
«No rio, o siluro e o lúcio são os dois maiores predadores. Depois temos a achigã». O seu modo de atuar sobre o ecossistema passa por pegar nestes peixes – mas também no javali e nas ervas infestantes, «pragas» da terra – para os servir com criatividade.
O lúcio, por exemplo, é curado como se fosse bacalhau e é servido com um pil-pil (técnica basca de emulsão do azeite com o colagénio do próprio peixe), com «coentros e chícharos bem ribatejanos», uma mistura de especiarias feitas à base de cascas de tomate e caroço de pêssego, óleo de alho francês e limão e amêndoa ralados. Este é um dos pratos que vai entrar no novo menu do Ó Balcão, o restaurante que antes de se ter tornado fine dining, em 2021, era taberna de alma e de nome.
«Quando abri, em 2013, tinha 40 lugares e agora tenho 24. Isto tem a ver com o caminho que escolhi». De lado, ficaram as receitas da Dona Odete, a primeira cozinheira da então Taberna Ó Balcão e uma das pessoas que mais influenciou Rodrigo Castelo.
Antes dela, o pai foi o seu grande mentor, a quem prestou homenagem com a criação dos vinhos Castelo 13. Aos 8 anos, Rodrigo e Fernando Castelo já faziam petiscos juntos, como a Massa à Barrão, «uma espécie de massada de bacalhau com batata, pimento e tomate», explica o chef de 45 anos.
O receituário tradicional é a sua base identitária. «Sinto-me um felizardo. Vivo num sítio em que qualquer cozinheiro gostaria de viver, porque é muito diversificado». Há termos no menu que causam estranheza a quem nasceu longe daquele terroir, entre a lezíria e a charneca, e que, por isso mesmo, acicatam a curiosidade.
Um exemplo claro é a Lapardana, «um prato de pescadores com aproveitamento total do que sobrava, com pão, peixe e couves». No Ó Balcão, este saber, nascido de tempos de escassez, é enobrecido em forma de creme e serve de cama para o lúcio.
«Nós inspiramo-nos nas receitas e nos costumes tradicionais e depois pintamo-las de outra forma», resume, assim, a sua abordagem à cozinha, marcada também pelo fator quilómetro zero. «A minha cozinha vem sendo uma cozinha regenerativa, assim como a agricultura é uma agricultura regenerativa. Devolvemos ao solo tudo aquilo que não conseguimos aproveitar aqui». Estas duas matrizes – criatividade e sustentabilidade – valeram-lhe várias distinções nacionais e internacionais ao longo de 2024.
«Está a ser um bom ano», afirma com um sorriso ténue. Porém, por trás do sorriso deste chef, que é Embaixador da Gastronomia de Santarém, há algumas notas de cansaço. «A única coisa que eu queria neste final de ano era poder descansar um bocadinho para desfrutar».
Talvez isso aconteça quando a nova carta de outono-inverno entrar no menu, talvez só mais tarde. É que a cabeça de Rodrigo Castelo não para e há um projeto novo prestes a ser revelado: «Está mesmo para rebentar, mas, por superstição, não quero falar».
Perguntamos-lhe se está relacionado com o desenvolvimento de produto, como o caso da cecina e da cura da língua de vaca, que produz desde 2015, ou dos queijos artesanais, que podem ser degustados no início da refeição. Rodrigo não se descose. «Está tudo ligado» é tudo o que lhe ouvimos dizer. Afinal, ele é o predador dos predadores e, predador que se preze, mede bem os seus passos.
Ó Balcão. Rua Pedro de Santarém, 73. Santarém. Telefone: 918 252 808