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Rodrigo Castelo quer pôr os predadores todos no prato

Restaurante “Ó Balcão” (Santarém)

Rodrigo Castelo quer pôr os predadores todos no prato

13/11/2024 –

Atualizada: 05/11/2024

Texto: Filipa Vaz Teixeira

Fotografia: David Pires

Abriu o Ó Balcão como taberna, em 2013, e, em 11 anos feitos em Outubro, transformou um lugar de petiscos numa referência do fine dining português. A estratégia? Trabalhar com produtos locais e com os grandes predadores ribatejanos.

Anabela empurra a porta que dá para a cozinha. Com a cabeça a espreitar, avisa, «Estão aqui as chaves, filho». Rodrigo Castelo anui, pegando num frasco de alburnos em azeite e examinando se a conserva está do seu agrado.

O brilho deste pequeno peixe seduz a mãe. «Está tão bonito», exclama, com o olhar tão brilhante quanto a luz que emana do frasco. «São pequenos e parecem inofensivos», observa Rodrigo, «mas comem tudo o que é ovos de outros peixes. São uns predadores».

O chef Rodrigo Castelo
O chef Rodrigo Castelo
O restaurante completou 11 anos em Outubro
O restaurante completou 11 anos em Outubro.

Os predadores, principalmente os das águas doces do Tejo, são a fixação de Rodrigo Castelo, chef do restaurante ribatejano Ó Balcão. «A ideia é comer os predadores para manter os nativos», explica, com a atitude de um cientista discorrendo sobre a fauna.

«No rio, o siluro e o lúcio são os dois maiores predadores. Depois temos a achigã». O seu modo de atuar sobre o ecossistema passa por pegar nestes peixes – mas também no javali e nas ervas infestantes, «pragas» da terra – para os servir com criatividade.

O “A Nossa Horta” com várias camadas de batatas diferentes, incluindo batata doce
O “A Nossa Horta” com várias camadas de batatas diferentes, incluindo batata doce.
Siluro com emulsão de couves, puré de nabo, salada de bimis e crocante de bimis
Siluro com emulsão de couves, puré de nabo, salada de bimis e crocante de bimis.

O lúcio, por exemplo, é curado como se fosse bacalhau e é servido com um pil-pil (técnica basca de emulsão do azeite com o colagénio do próprio peixe), com «coentros e chícharos bem ribatejanos», uma mistura de especiarias feitas à base de cascas de tomate e caroço de pêssego, óleo de alho francês e limão e amêndoa ralados. Este é um dos pratos que vai entrar no novo menu do Ó Balcão, o restaurante que antes de se ter tornado fine dining, em 2021, era taberna de alma e de nome.

«Um felizardo» ribatejano

«Quando abri, em 2013, tinha 40 lugares e agora tenho 24. Isto tem a ver com o caminho que escolhi». De lado, ficaram as receitas da Dona Odete, a primeira cozinheira da então Taberna Ó Balcão e uma das pessoas que mais influenciou Rodrigo Castelo.

Antes dela, o pai foi o seu grande mentor, a quem prestou homenagem com a criação dos vinhos Castelo 13. Aos 8 anos, Rodrigo e Fernando Castelo já faziam petiscos juntos, como a Massa à Barrão, «uma espécie de massada de bacalhau com batata, pimento e tomate», explica o chef de 45 anos.

O chef faz uma “cozinha generativa”, tal como na agricultura regenerativa
O chef faz uma “cozinha generativa”, tal como na agricultura regenerativa.
Devolve ao solo tudo o que não consegue aproveitar no restaurante
Devolve ao solo tudo o que não consegue aproveitar no restaurante.

O receituário tradicional é a sua base identitária. «Sinto-me um felizardo. Vivo num sítio em que qualquer cozinheiro gostaria de viver, porque é muito diversificado». Há termos no menu que causam estranheza a quem nasceu longe daquele terroir, entre a lezíria e a charneca, e que, por isso mesmo, acicatam a curiosidade.

Um exemplo claro é a Lapardana, «um prato de pescadores com aproveitamento total do que sobrava, com pão, peixe e couves». No Ó Balcão, este saber, nascido de tempos de escassez, é enobrecido em forma de creme e serve de cama para o lúcio.

2024: o ano da consagração

«Nós inspiramo-nos nas receitas e nos costumes tradicionais e depois pintamo-las de outra forma», resume, assim, a sua abordagem à cozinha, marcada também pelo fator quilómetro zero. «A minha cozinha vem sendo uma cozinha regenerativa, assim como a agricultura é uma agricultura regenerativa. Devolvemos ao solo tudo aquilo que não conseguimos aproveitar aqui». Estas duas matrizes – criatividade e sustentabilidade – valeram-lhe várias distinções nacionais e internacionais ao longo de 2024.

Inicialmente uma taberna, transformou-se em restaurante de fine dining em 2021
Inicialmente uma taberna, transformou-se em restaurante de fine dining em 2021.
Ó Balcão abriu com 40 lugares, tem agora 24. Uma escolha consciente e adaptada ao novo conceito
Ó Balcão abriu com 40 lugares, tem agora 24. Uma escolha consciente e adaptada ao novo conceito.

«Está a ser um bom ano», afirma com um sorriso ténue. Porém, por trás do sorriso deste chef, que é Embaixador da Gastronomia de Santarém, há algumas notas de cansaço. «A única coisa que eu queria neste final de ano era poder descansar um bocadinho para desfrutar».

Talvez isso aconteça quando a nova carta de outono-inverno entrar no menu, talvez só mais tarde. É que a cabeça de Rodrigo Castelo não para e há um projeto novo prestes a ser revelado: «Está mesmo para rebentar, mas, por superstição, não quero falar».

Geleia de abóbora bêbeda, pudim de abóbora, vinagre de abóbora, caramelo salgado de abóbora. Acompanha com queijo e bolacha de água e sal
Geleia de abóbora bêbeda, pudim de abóbora, vinagre de abóbora, caramelo salgado de abóbora. Acompanha com queijo e bolacha de água e sal.

Perguntamos-lhe se está relacionado com o desenvolvimento de produto, como o caso da cecina e da cura da língua de vaca, que produz desde 2015, ou dos queijos artesanais, que podem ser degustados no início da refeição. Rodrigo não se descose. «Está tudo ligado» é tudo o que lhe ouvimos dizer. Afinal, ele é o predador dos predadores e, predador que se preze, mede bem os seus passos.

Ó Balcão. Rua Pedro de Santarém, 73. Santarém. Telefone: 918 252 808