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As mesas estão próximas, para que as conversas se cruzem e os cheiros dos pratos se misturem. As paredes servem de tela e bloco de notas, cobertas de mensagens, recados e memórias. A razão é óbvia e o resultado é sedutor: O Velho Eurico quer fazer dos visitantes uma família alargada, que se junta para celebrar o convívio gastronómico. Percebemos porquê assim que conhecemos José Paulo Rocha, “fundador, chef, gestor e o que mais houver para fazer” neste restaurante em que a sala é quase uma com a cozinha, onde quem serve e é servido fala a mesma linguagem, muitas vezes juntos sobre os pratos, as travessas e os tachos que fumegam, de um lado para o outro, entre garfadas e brindes de satisfação.
É um dos sítios mais concorridos de Lisboa. As reservas são feitas numa plataforma online e a resposta mais habitual é uma mensagem honesta: mesa livre só daqui a uns dois ou três meses. Ainda assim, há sempre um convite: “Quem não consegue reservar é muito bem vindo na mesma”, explica Zé Paulo, nome abreviado rapidamente porque a simpatia é instantânea: “Temos uma lista de espera, as pessoas inscrevem-se, esperam e vamos tentando acomodar quem nos visita até ao final do serviço”. É uma dinâmica que tem contribuído para o sucesso da marca Velho Eurico. Quem consegue almoçar ou jantar neste espaço ostenta um sorriso de vitória, partilha a conquista e o boca-a-boca faz o resto. E aqui fica um aviso sincero: a fama é totalmente justificada.
No Velho Eurico serve-se comida tradicional portuguesa. Bacalhau à Brás, Rabo de Boi, Pastel de leitão, Chambão ou Pica Pau de atum. O Polvo é feito à Lagareiro, as Migas trazem ovo e o Arroz vai ao forno com morcela. No fim há Pão de Ló ou Pudim de Pão, há Leite Creme ou Arroz Doce. E se tudo isto parece típico, antigo, comum, é porque é. Mas o segredo está no que acontece para lá dos nomes feitos de maiúsculas com tradição.
“A ideia inicial era fazer a cozinha típica portuguesa e não fugir muito da regra. Quisemos conquistar inicialmente pelo bem feito. Depois, começámos a pegar nesse tradicional para o transformar, sempre para melhor. Porque é sempre possível fazer melhor. É possível pegar no livro de receitas da Maria de Lourdes Modesto e trabalhar a matéria que ali está com as muitas técnicas que conhecemos hoje.” Zé Paulo Rocha explica-nos a filosofia do Velho Eurico com a atitude de quem vive para estar eternamente insatisfeito — e isso é bom: “Hoje já nos permitimos inventar um pouco, as pessoas confiam no nosso trabalho. Já sabem que se quisermos fazer um prato português com algumas técnicas asiáticas ou do Médio Oriente, confiam que vai sair tudo bem feito”. Aviso: sai mesmo.
E de onde vem este gosto pela cozinha de herança, feita de legado, no menu idealizado por um jovem de 27 anos, de braços temperados a tatuagens e que chega a confessar que “talvez um dia arrisque pelo fine dining”? A resposta é um óbvio “da família”. “Em minha casa havia sempre comida tradicional. Não cresci a comer bifes com arroz e batatas fritas, cresci a comer ervilhas com ovos escalfados, favas com entrecosto e cabrito assado”, diz-nos Zé Paulo. Os sabores e ficaram-lhe no ADN gustativo. O resto — ou seja, a mania dos restaurantes — veio da experiência. A família sempre trabalhou no ramo e este chef-gestor-empregado fez-se adulto a acompanhar o processo: “Comecei ainda miúdo, aos 8 anos, talvez. Ia servindo uns cafés, tirando umas imperiais. Na adolescência já me atirava aos tachos”.
Aos 14 anos inscreveu-se num curso profissional de cozinha e pastelaria. Entretanto, chegou a pensar “seguir multimédia”, mas toda a família “trabalhava em restauração”. “Achei que trabalho não me ia faltar, pelo menos isso. E depois, com o passar dos anos fui gostando cada vez mais deste artesanato.” Daí até começar a conquistar lugares em diferentes cozinhas foi preciso pouco. Em simultâneo, percebeu rapidamente que a vida de quem trabalha num restaurante — mais ainda a de quem o gere — pode ser muito difícil. “Os meus pais sempre foram escravos desta vida e eu não me vou permitir seguir por esse caminho. Já o fiz durante alguns anos para tentar criar alguns alicerces, mas agora o objetivo é ter uma vida saudável.” Zé Paulo explica-nos que a equipa do Velho Eurico (neste momento são 15 pessoas) “estão aqui a 200% durante o horário que têm para cumprir e depois vão para casa e têm disponibilidade emocional.”
O alvo a atingir com esta abordagem é evidente: “O bem-estar faz com que as pessoas gostem de trabalhar. E quem gosta de trabalhar fá-lo com carinho. E não há nada mais importante para ter uma boa cozinha e um bom serviço do que pôr carinho naquilo que faz”. Os pratos são finalizados à vista dos clientes; o menu é explicado com a sabedoria de quem adora comer aquilo que leva à mesa dos convidados; as perguntas geram histórias; as histórias pedem mais uma sobremesa; uma refeição transforma-se num “processo colaborativo” que por estes dias é procurado sobretudo por portugueses; e uma carta “pequena e que vai “mudando com as estações”, ainda que alguns clássicos se mantenham, “como quem vai a um concerto da banda favorita porque sabe que aquela canção nunca falha”.
E porquê o nome Velho Eurico? “Era o senhor Eurico que tomava conta disto, veio para aqui trabalhar com 12 anos, com os antigos donos, que tinham vindo da Galiza. Acabou por comprar o espaço e aqui trabalhou quase até aos 80 anos. Quando parou, alguém me disse que este espaço podia ser bom para mim, que queria muito fazer a minha própria cozinha e não trabalhar na cozinha dos outros. Aqui estou, já há mais de cinco anos.” O resto da história? Está no menu, escrito à mão, e assim deve continuar.
O Velho Eurico. Largo São Cristóvão, n.º3. Lisboa.