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“A vista é incrível… em dias de sol”, diz-nos o chef Hans Neuner, entre risos, enquanto observamos lá fora a chuva que tem marcado o início desta Primavera. Ainda assim, a paisagem impressiona - estamos em cima de uma encosta sobre o mar, no Vila Vita Parc, em Porches, no Algarve. A imagem tem impacto para o contexto, mas a proposta do Ocean ainda mais, revelando a sua força nos ingredientes e na sua narrativa. Logo nos primeiros anos, o mar em frente convidou a um mergulho na história da gastronomia algarvia e na influência árabe, utilizando os melhores produtos locais.
A inquietação e curiosidade do chef mantêm-no em movimento e é a viajar que se sente mais permeável, numa constante procura de sabores, experiências e descobertas: “Desde que saí da Áustria, onde nasci, vivi em mais de 12 países e viajei por toda a parte. A minha cozinha sempre esteve ligada às viagens porque é essa a minha experiência. Faz parte da minha identidade”. Quando o restaurante fechou com a pandemia “estar sentado sem saber o que fazer” não era uma opção. O chef viu na adversidade uma oportunidade e partiu: “Comprei tendas e sacos de cama, peguei na equipa e percorremos o país”. Depois, a missão estendeu-se até às comunidades portuguesas no mundo. Em São Tomé, Moçambique, Cabo Verde, Brasil, Ásia, América do Norte e Havai encontraram histórias entre sabores novos e familiares: “É impressionante como os portugueses estiveram em todo o lado. E o mundo da gastronomia é muito generoso. A comida é uma linguagem universal, une as pessoas e toda a gente tem orgulho em partilhar a sua cozinha”. Essa herança gastronómica, carregada de diversidade cultural e ingredientes únicos, foi essencial para o processo criativo do menu no regresso de cada viagem.
O restaurante acaba de abrir para uma nova temporada e o menu, totalmente renovado, resume estes últimos cinco anos de viagens. A inspiração por detrás da maioria dos pratos surgiu destes encontros e, muitas vezes, da comida de rua, onde “não se pensa tanto, onde o sabor é genuíno e é verdadeiramente a única coisa que interessa. Já fui a tantos restaurantes de topo e as melhores coisas que comi na vida foram na rua, sentado numa cadeira de plástico. O sabor por si só tem muita força e permanece em nós muito tempo”.
O novo menu traz a intensidade dos sabores, a simplicidade e a energia do street food para o Ocean. Em três semanas, antes da reabertura, a equipa desenhou a proposta e testou os pratos “todos os dias, 50 vezes se for preciso, até estarem no ponto”.
À hora de início do serviço, percebemos imediatamente que toda a gente deveria ter a sorte de aqui estar um dia. “Escute o cantar das ondas, o sussurro das algas”, lê-se nas primeiras linhas do poema que antecede a carta. Todos os pratos representam uma memória em específico, contam uma história e levam-nos a lugares distantes sem nunca perder a âncora a Portugal. Como o “Arroz de Abalone”, que recorda o dia em que o chef e a equipa visitaram a Abalone Farm, uma reserva dedicada à criação de abalone, em Monterey. Esta pequena cidade, na Califórnia, foi uma das primeiras comunidades de pescadores portugueses vindos, maioritariamente, dos Açores. As semelhanças do abalone e das lapas “fizeram-me pensar automaticamente no tradicional arroz de lapas”. O chef traz esta recordação para a mesa com um arroz de raia, percebes e salsa.
A viagem é feita com originalidade e uma narrativa envolvente. Somos surpreendidos com uma paragem no Havai, para ficar a conhecer o frango huli-huli, criado por um luso-havaiano, facilmente comparável ao nosso frango do churrasco. O chef reinterpreta-o com tomate fumado, molho barbecue e macadâmia. A intensidade e diversidade de sabores da Ásia faz-se sentir em pratos como “Uma Noite em Banguecoque” com carabineiro cozinhado com pimenta Kampot e alga Kelp ou o “Ocean Soba”, uma homenagem aos reconfortantes ramens das ruas de Tóquio, com noodles, gamba violeta, folhas de pak choi e um caldo de porco.
O ritmo do jantar e o serviço são irrepreensíveis. A equipa move-se a passos delicados, com rigor, simpatia e sentido de humor: “Tentamos dar o nosso melhor. Às vezes o nosso perfeccionismo obriga-nos a dar um passo atrás. Um prato só é servido se estiver impecável” conta-nos Nelson Marreiros, diretor de sala, depois de um dos pratos, prestes a ser servido, ser rapidamente retocado porque um dos elementos estava uns milímetros fora do sítio.
A harmonização de vinhos é feita com precisão e acompanhada por uma explicação clara e elucidativa. As escolhas, neste dia, percorrem as várias regiões vinícolas do país.
O facto deste menu terminar o ciclo das viagens de exploração pelo mundo, faz-nos questionar o que terá o chef reservado para o futuro: “Espero ter ainda energia para continuar mais uns anos. As viagens requerem tempo, dinheiro e um grande esforço de toda a equipa. Já estivemos em todos os pontos definidos. Cumprimos a nossa missão”. Mas quem vive nesta sede inesgotável de descobrir o mundo, não se acomoda tão facilmente: “Isto é o que penso agora, no arranque da temporada. Daqui a cinco meses talvez mude de ideias. Não fomos ao Sri Lanka, onde ouvi dizer que ainda se encontra influência portuguesa. Se calhar temos de ir ver se descobrimos alguma coisa”.
Como o chef Hans Neuner, já tivemos o privilégio de ter uma refeição nas tais cadeiras de plástico, no meio da multidão, com 40 graus, ao som de uma língua que não entendemos. Ou de, acabados de chegar ao outro lado do mundo, encontrar um restaurante de ramen aberto às duas da manhã, sentarmo-nos e, ao primeiro gole de caldo, sentir que chegámos a casa. Uma refeição no Ocean é tudo o que se poderia esperar no que toca à técnica, ao produto ou ao serviço, mas o que não antecipámos foi que iríamos viajar também nas nossas memórias e que sairíamos daqui com vontade de procurar novas histórias nos lugares que ainda não conhecemos. Pela vontade da descoberta, pela ousadia ou pela criatividade do chef Hans Neuner, uma experiência no Ocean pode bem ser a sua próxima viagem.
Ocean. Vila Vita Parc, R. Anneliese Pohl, Alporchinhos, 8400-450 Porches. Quarta a Domingo 19h-22h. Telefone: 282 310 100