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No Sem não há caixotes do lixo. As paredes estão cheias de frascos com fermentados feitos a partir do que poderia ter sido desperdício, não se compram produtos cuja proveniência não está claramente rastreada e os fornecedores não entregam produtos em embalagens descartáveis, mas noutras que podem ser devolvidas e reutilizadas. Lara Espírito Santo e George McLeod têm as regras da sua cozinha de autor, em Lisboa, bem claras. O objetivo é provar que minimizar o impacto ambiental dos restaurantes não só é possível como ajuda a alcançar a sustentabilidade financeira. O Sem, com 1 Sol Guia Repsol e 1 Sol Sustentável, não vai mudar o mundo, mas quer influenciar a indústria da restauração.
Há lixos mais difíceis de resolver do que outros — e a reciclagem é batota, também é uma forma de descarte de recursos, raramente reinseridos a 100% na produção de novos bens. No Sem, as garrafas de vinho são um desses exemplos de lixo em que se tem de pensar um pouco mais, porque está fora de questão deixar de ter vinho. Em primeiro lugar, o Sem é um restaurante gastronómico, com um menu de degustação que muda todos os meses e um wine pairing a condizer — disto não abdica. Portanto foi preciso investir um pouco mais para encontrar um destino para as garrafas. Quando assim é, Lara e George procuram parcerias na comunidade — até porque o problema do lixo não é individual.
Compraram uma máquina que tritura vidro e a areia que resulta pode depois ser usada, por exemplo, na criação de objetos utilitários ou de obras de arte. Alguns despojos são mais persistentes e quanto mais pequenos, pior: parecem inofensivos e tardam as soluções. Numa prateleira sobre a cozinha aberta para a sala, há um frasco com cinco anos do plástico ou cera que envolve o gargalo e a rolha das garrafas. Seria fácil virar o frasco para dentro de um dos contentores de lixo de Alfama, mas a sua presença lembra que, num sistema que vive da produção e descartes exacerbados, há sempre qualquer coisa que é preciso resolver, como cantaria José Mário Branco. Ali está o frasco cheio a pairar sobre o restaurante, e lá dentro inquietação, inquietação.
“Avaliamos o impacto de tudo o que entra no restaurante — do peixe aos copos”, diz Lara Espírito Santo, que, além do trabalho de sala, investiga sobre os temas da indústria alimentar e os seus impactos. Passou três meses a escrever a argumentação de candidatura ao Sustainable Restaurant Association, onde o Sem teve uma classificação de 85 por cento — impressionante no contexto europeu. O essencial num projeto como este, diz, é ser claro nos objetivos. A partir daí é mais fácil tomar decisões. “Se o objetivo é chegar ao desperdício zero e trabalhar com agricultura regenerativa, sabes que é mais importante o modelo de produção do que a distância”, exemplifica.
O Sem é como uma tese empírica em tamanho humano e o seu objetivo é provar que é possível reduzir o desperdício alimentar, usar fornecedores com menor impacto ambiental e fazer tudo isto sendo financeiramente sustentável. Aliás: fazer isto também para ser financeiramente sustentável. O food cost é de 12 a 17 por cento — a maioria dos restaurantes procura estar entre os 25 e 30 por cento neste indicador que expressa o peso do custo dos ingredientes no preço final de um prato.
“Todo o ponto é mostrar que este modelo compensa, o nosso food cost é muito baixo, mesmo lidando com a distorção do mercado”, diz Lara, referindo-se ao preço mais alto dos produtos de uma agricultura extensiva ou regenerativa, por oposição aos produtos de sistemas intensivos.
Para Lara e George as certificações biológicas só são importantes para alguns raros ingredientes estrangeiros. Preferem conhecer os produtores pessoalmente e discutir os seus métodos de produção. “A maneira de fazer agricultura tem de contribuir para o ambiente em redor”, resume Lara o que procuram nos seus fornecedores. “A importância de estar perto é a confiança — sabes o que eles fazem, o que têm sazonalmente e é melhor para a saúde, o ambiente e a identidade cultural do restaurante”, diz George. “Eu não persigo ingredientes: falo com os fornecedores sobre o que gostávamos, a consistência que temos de ter para um mês [validade de cada menu de degustação], mas se os meus fornecedores não têm, não vou a outro lado”, explica o chef.
“Todos os dias, enquanto fazemos a mise en place [preparação dos ingredientes para os pratos] temos uma lista dos fermentados que fazemos ao mesmo tempo. Há fermentados que temos sempre, porque o excedente é constante, como o miso de pão, o garum de claras, mas há outros que têm a ver com a estação com o que estamos a servir”, diz George. Depois do chef criar o prato e determinado fermentado, a mise en place passa a ser um trabalho a dois tempos: para cada prato haverá um determinado excedente à partida — aparas de vegetais, claras de ovos, sementes — e a cada dia está definido o que fazer com ele.
O método do Sem resulta em pratos com um frequente traço fermentado, umas vezes mais claro, noutras mais pungente, que George procura ir equilibrando ao longo do menu. Os ingredientes frescos aparecem cirurgicamente: no prato ostras e espargos, o que há de fresco é precisamente isso. Tudo o resto são as conservas que o restaurante foi produzindo ao longo dos meses. O equilíbrio do menu está também numa quantidade de proteína controlada e na insistência em usar, no caso do peixe, o lúcio-perca, um peixe de rio de carne branca e firme que é urgente pescar por ser um invasor — está a degradar os ecossistemas de rios como o Tejo.
Para não aborrecer clientes ao jantar, o Sem desenvolveu um método de falar das suas opções só àqueles que quiserem ouvir: nos menus todas estas opções para reduzir o impacto dos pratos estão explicadas num sistema de símbolos muito semelhante ao dos alergénios. “A ideia é, em vez de alertar para o que nos pode matar (em caso de alergia), mostrar o que nos pode salvar”, resume George. Assim, o sorbet de abóbora menina, pólen de abelha em conserva, óleo de folhas de borragem e flores de borragem aparece com indicação de usar produtos subvalorizados, selvagens e de conter algum tipo de inovação na sua transformação, enquanto o pão com manteiga de miso de pão diz dar uso a um ingrediente em excesso e a produtos autóctones.
“O que o George faz é criar recursos. Precisa de ácido, tem estes vinagres; precisa de doce, tem outros fermentados. É o que dá a complexidade aos pratos, é criar valor através do processo de fermentação”, diz Lara. O que é visto noutros restaurantes como desperdício aqui tem valor económico, porque se tornou tempero e textura por meio do trabalho dos cozinheiros. George garante que investem nos trabalhadores com salários acima do valor de mercado e que isto é possível nesta forma de gestão dos recursos.
“Isto é um modelo de operação e essa é a beleza. Não é um conceito”, sublinha Lara Espírito Santo, considerando que a incapacidade dos restaurantes serem claros nas suas práticas e estarem agarrados a hábitos antigos impede muitos de explorarem novos modelos, como este que desenvolveram. Nos próximos tempos, quer começar a dar formação, porque garante que há uma geração interessada nesta forma de gerir um restaurante, só não há quem lhes explique o que fazer. É preciso partilhar com a comunidade em vez de esconder, passar a informação válida em vez de slogans. “Eu nunca pus #zerowaste numa publicação no Instagram”, diz George. “Eu não digo aos clientes que temos um restaurante sustentável”, atira Lara. O que conta é a cozinha como ação, não há lugar para palavras gastas.
Sem. Rua das Escolas Gerais 120, 1100-220 Lisboa. Quarta a Domingo, 18.30-00.00. Telefone: 939 501 211.
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