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O nome de José Júlio Vintém confunde-se com o do seu restaurante. Ele é o próprio do Tombalobos, alcunha dada em Portalegre ao homem mais bravo que protegia a povoação e os rebanhos dos lobos esfomeados vindos do outro lado da fronteira.
Embora nunca tenha subido à Serra de São Mamede para matar um lobo, até porque essas histórias remontam ao tempo da Guerra Civil Espanhola, José Júlio passou grande parte da sua infância por lá, entre os mantos de giesta, esteva e carqueja e os altivos carvalhos e castanheiros.
Com 5 anos, era o primeiro em casa a pôr-se pronto para ir à caça. «Se o meu pai não me levava, ficava o dia inteiro a chorar», recorda o chef do Tombalobos, com 52 anos feitos. A caça, explica, não era encarada como um desporto, mas como um modo de vida. Às vezes, ele e o pai ficavam horas à procura da presa que iria servir de alimento naquele dia, caminhando por mais de 20 quilómetros, sem água nem comida.
Foi nesses momentos que José Júlio Vintém se apercebeu de que as azedas matavam a sede, que os pombos guardavam as bolotas doces no papo e que os marmelos podiam ser colhidos dos marmeleiros como as maçãs das macieiras. Identificou todas as ervas e cogumelos comestíveis, apurou o toque, o cheiro, o palato e os olhos com sensibilidade e saber e, talvez sem o saber, fez-se, deste modo, cozinheiro de terroir.
«Aos 13 anos já cozinhava pato para o meu pai e para os colegas dele. Ficavam muito surpreendidos». Nessa altura, combinava os ingredientes por intuição, característica que mantém e à qual juntou uma camada de estudo da alta cozinha que lhe deu dois atributos que qualquer chef almeja: raiz e capacidade de inovação.
Longe de ter tirado uma licenciatura em Hotelaria ou de ter estagiado em cozinhas premiadas, o percurso profissional de José Júlio Vintém iniciou-se por outros terrenos, pela área da Higiene e Segurança no Trabalho. Quis o destino, essa coisa tão fascinante e complexa como a natureza, que à custa do trabalho visitasse os melhores restaurantes de Madrid, Sevilha e Barcelona. «A cada um que ia, pensava: consigo fazer melhor com as coisas da minha terra».
A oportunidade de o fazer surgiu de um contratempo. Depois de ter sido despedido, Catarina, a sua mulher e «maior fã», como a própria faz questão de vincar, atirou-lhe uma pergunta tão simples, quanto certeira: «O que é que tu gostavas de fazer?». A resposta foi imediata: José Júlio queria ter um restaurante.
«Em duas horas encontrámos um espaço e em 15 dias abrimos o restaurante», refere. Nascia assim, em 2002, a primeira versão do Tombalobos, que de há cinco anos para cá se estabeleceu num edifício medieval dentro das muralhas do Castelo de Portalegre. Decorado com elementos de caça e das touradas, da qual é aficionado, com peças de artesãos locais, objetos do campo e quadros e tapeçarias espalhadas pelas paredes de tijolo, o Tombalobos é uma espécie de memorabilia de José Júlio Vintém, artista que anda de mãos dadas com a tradição.
Desde o primeiro momento que o Tombalobos se quis apresentar como um destino em si mesmo: ou seja, um daqueles restaurantes que levam as pessoas a fazerem quilómetros pelos prazeres da boca e que, consequentemente, dão prestígio à terra onde se fixam.
De tal forma assim foi, que em meio ano já havia clientes a chegar de todo o lado a esta cidade raiana, onde não faltam «tascos e tasquinhos». Vinham do Porto, de Lisboa e do Algarve para conhecer os cozinhados de José Júlio Vintém, mesmo que na carta só houvesse três pratos: Peixinhos da Horta, Bacalhau com espargos e Arroz de Pato em vinho tinto com couve lombarda. «Foi assim que comecei».
Houve até quem, depois de muitos anos a frequentar a casa, se tivesse mudado para Portalegre para estar mais perto do Tombalobos e agora passe a reforma na companhia de Catarina e de José Júlio Vintém. A família, com os filhos Caetano, António e Francisca, não para de crescer.
A carta, essa bicha irrequieta, também se expandiu, ou não fosse este chef alentejano um criativo que odeia ter de recriar sempre o mesmo prato. «Este é o restaurante do não há», frisa, mostrando-se irredutível em servir produtos fora de época em prol de uma constância que é ofensiva para com a natureza e com as suas estações.
Claro que existem algumas exceções, como a Açorda de Fraca, o Cozido de Grão com Hortelã, o Borrego Prensado ou as Pétalas de Toucinho, o «prato estrela» da casa: «É um prato inspirado nas tascas, onde se comia o toucinho laminado muito fininho com alho e pão». Nestes ninguém pode mexer, ou não vá a clientela fazer um motim.
Os restantes, vão variando consoante a inspiração e o que a terra dá. Na época da caça, há criações como a Feijoada de Coelho Bravo com Chispe; no verão, a Tiborna de Tomate; os peixes do rio, como a Achigã ao sal, chegam nos meses da desova; o outono traz a Sopa de Cogumelos silvestres com Castanhas e o inverno o fumeiro. «O que se come aqui nunca são coisas banais».
Para José Júlio Vintém, não há felicidade maior do que pegar na matéria-prima e fazê-la crescer. Chega a ser mesmo comovente sentir o grão da pimenta preta a quebrar na boca, expandindo os sabores de uma perdiz em escabeche, ou fatiar um queijo fresco de cabra da Queijaria Soutvide, de Castelo de Vide, e renascer perante a evidência de que aquele queijo, longe de estar carregado de sal, sabe ao animal e ao pasto que o deu. «Tentamos ao máximo usar os produtos da região».
A carta de vinhos, onde as referências de Portalegre e do Alentejo são predominantes, só engrandecem a experiência, que será tanto melhor quanto o espírito de partilha com o qual aqui se chega. «O que me deixa mais triste é ver as pessoas comerem apenas por necessidade, sem trocarem uma palavra». Fica o aviso feito e a promessa de que para breve haverá um espaço complementar ao Tombalobos com mesas corridas, para que os desconhecidos deixem rapidamente de o ser.
Ir em grupo, para provar vários pratos e viver o verdadeiro ambiente de uma generosa mesa alentejana, é decisão sábia, como também o é deixar um espacinho para as sobremesas. Neste capítulo, opte pela típica Boleima de Maçã, se não for muito guloso, ou pelo Torrão e pelos doces conventuais da mãe de José Júlio Vintém, se for lambareiro. Se as laranjeiras estiverem carregadas, poderá provar a Laranja à Tombalobos, com açúcar, canela e um fio de azeite. No final, diga-nos se não ficou com vontade de arranjar uma casinha na Serra de São Mamede, para, qual lobo, descer à cidade sempre que se quiser banquetear.
Tombalobos. Rua 19 de Junho 2, 7300-126. Portalegre. Quarta e quinta-feira das 12h00 às 14h45 e 19h00 às 21h45. Sexta-feira das 12h30 às 14h45 e das 19h00 às 22h00. Sábado das 12h30 às 15h00 e 19h30 às 22h00. Domingos das 12h00 às 15h00. Fecha segunda e terça. Telefone: 245 906 111