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Depois de o ver em postais, nas fotografias turísticas com poses “eu estive aqui” e de, por fim, estar a uns metros da sua monumentalidade, custa crer que o chamado Templo de Diana já tenha sido usado como matadouro, na Idade Média. Ou será que isto só aumenta a admiração do seu expectador?
Évora tem muitas camadas. São 20 séculos de história: estão um pouco por toda a cidade e logo à entrada da muralha, no Centro Interpretativo da Cidade de Évora, no Palácio D.Manuel. Também à mesa se vê que a cidade tem muitas facetas. Os restaurantes mais tradicionais continuam a ser bons cartões de visita, mas há nomes novos a querer reinterpretar o Alentejo interior e até quem use memórias de gastronomias estrangeiras. Este palimpsesto gastronómico, um mil-folhas, está cada vez mais interessante.
“Até há uns anos, Évora tinha 500 restaurantes e um menu”, diz Miguel Ribeiro, cozinheiro e um dos três donos do Três Marmelos, que abriu há um ano dentro da muralha. Os restaurantes de comida alentejana sempre estiveram em força com as suas migas, sopas de cação e torresmos do rissol, sobretudo a pensar no turismo nacional e estrangeiro, tão importantes para a cidade. Mas há uns cinco anos, Évora tornou-se também destino pelas ideias de uma geração fresca, focada no produto da zona, na sazonalidade, com muita técnica.
Em 2020, abriu o Híbrido (agora temporariamente fechado), do chef João Narigueta, com uma cozinha de mercado, com experimentação e técnica sofisticadas; em 2023 abriu, junto do Templo Romano, no Palácio dos Duques de Cadaval, o Cavalariça Évora, a versão alentejana do restaurante do chef Bruno Caseiro e da chef de pastelaria Filipa Gonçalves. Miguel Ribeiro trabalhava nessa altura no Terceiro Tempo, onde fazia uma cozinha criativa e fundada na nacionalidade. É isso que continua agora no Três Marmelos, com Rui Baptista, também na cozinha, e Tiago Martins, na sala e seleção de vinhos — portugueses, tanto mais tradicionais como de uma nova geração.
“A malta de Évora agora já está mais curiosa, acho que está bem aliado o tradicional à nova escola”, diz Miguel sobre como a cena gastronómica eborense se tem transformado. No Três Marmelos tentam “fugir ao tradicional, mas não aos produtos tradicionais”, explica o cozinheiro: “o nosso objetivo é o quilómetro zero nas frutas e legumes. Para peixe e carne vamos ao país inteiro.”
O menu, que muda a cada duas semanas (pelo menos) e onde um prato não está mais do que um mês, mostra este foco nos produtos e não nas receitas. Os snacks, entradas e pratos principais aparecem aos grupos de três e falam apenas em presa de porco, kale, rábano ou em cogumelos silvestres, feijoca e catacuzes. Tudo se complexifica um pouco ao receber uma espécie de rosbife de presa com um molho que faz lembrar o do bife à portuguesa ou um estufado bem subtil de feijocas com os cogumelos quase crus, de textura carnuda.
Nós gostamos muito de criatividade, a nossa carta é muito de improviso. Nós não temos propriamente receitas, quando as fazemos de novo são sempre um pouco diferentes”, comenta Rui Baptista, referindo-se em particular aos pickles que usam para evitar desperdício.
Não muito longe, mais perto da Praça do Giraldo, o epicentro da vida de Évora, sempre de esplanadas cheias, o Sal Grosso também faz parte desta nova vida da restauração. Tem um ano e trouxe para o interior o nome que ficou famoso em Lisboa, junto a Santa Apolónia. Sal Grosso é sinónimo de uma taberna contemporânea, com música alta, pratos para partilhar nascidos de receitas portuguesas, mas com um truquezinho qualquer. Um exemplo: as favas com barriga de porco, um prato com os sabores de umas tradicionais favas com chouriço (muito tenras e peladas) servido com pedaços de porco com uma capinha de molho agridoce.
À sobremesa, o pudim de água, tradicional de Estremoz, ou o arroz doce servido quente, são mais ortodoxos e acompanham as garrafas de aguardente postas na mesa — mais uma imagem de marca do nome Sal Grosso.
Do outro lado da praça, numa rua estreita, o final da tarde anima-se com copos de vinho nas esplanadas, na preparação do que será o jantar. Mas o Tua Madre, outro nome da nova vaga em Évora, está cheio também para o almoço, por causa das suas luxuosas massas frescas casadas com carnes e outros produtos do interior alentejano.
O italiano Francesco Ogliari e a portuguesa Marisa Tiago abriram em 2020 este italo-alentejano fortemente marcado pela carta de vinhos de baixa intervenção e, desde então, não tiveram tempos mortos. Francesco Ogliari conheceu esta cidade muito antes, em 2006, quando estudava teatro, mas só depois de dar umas voltas pela Europa e decidir-se pelas cozinhas, voltou para conhecer Marisa. Fecharam a parceria de vida e de trabalho e resumindo: é melhor ligar primeiro para reservar mesa.
No menu, as estações do ano têm bastante expressividade, em entradas vegetarianas e leves na primavera e verão, ou, neste inverno, nos cogumelos, enchidos e carnes curadas. Vveja-se a focaccia de língua (finíssima) e mousse de cogumelos, uma espécie de sandes aberta a abrir o apetite para a untuosidade das massas.
Há sempre massas recheadas, como os agnolotti de carne assada, com um molho de carne dos que deixam os lábios colar, ou outras mais delicadas, como o tagliatelle com cantarelos. Será, no entanto, uma desfeita não provar uma carbonara do mais verdadeiro: massa lisa, ovos saborosos, carne local. No Tua Madre a carbonara é um tratado de como a autenticidade da comida é o respeito pelos seus valores — neste caso, a proximidade e artesanalidade dos ingredientes. Com carne e gordura nas proporções certas, vale muito mais este fumado da salsicharia Montanheira, da zona de Estremoz, do que outros mais viajados.
Numa cozinha simples como a do Tua Madre o produto conta muito e, por isso, os produtores são mencionados, no menu, a cada prato em que participam. São coordenadas para quando entramos numa mercearia tradicional onde “ou se vende o que é bom ou não se vende”: o Zé do Bacalhau, no Mercado 1º de Maio, mercado municipal de Évora.
Estas palavras em jeito de ética de trabalho são do dono da loja, José Raimundo. Abriu o negócio há 37 anos e, com a diversidade de produtos e a qualidade da seleção que se encontram nestes poucos metros quadrados pode dizer-se uma loja gastronómica com toda a propriedade. Há os ovos a granel, várias marcas de azeite alentejano, de queijos e enchidos da região — lá estão os Montanheira da carbonara — uma seleção de bolos fintos e outros pães doces de várias padarias dos arredores e pães de oito freguesias diferentes. “Uns têm menos sal, outros um bocadinho mais, mas são todos pão alentejano”, esclarece e entusiasma-se: “É pena já não ter aqui o pão de dois quilos, dá cá uma fotografia!”
Ter oito pães ligeiramente diferentes, vindos de terras diferentes, é dedicação aos clientes especialistas — aqueles que já levam gerações de degustação. Eles sabem distinguir inequivocamente uma padinha de um enxovalhado, ambos pães especiados que parecem bolos.
A cinco minutos a pé do mercado, está a especialista noutros doces, na pastelaria Pão de Rala. Ercília é uma senhora pequena de touca — tanto ao vivo, ali na loja a ajudar atrás do balcão, como em todas as fotografias com clientes ilustres. Só para o retrato com João Baião tirou o capachinho de trabalho, mas com uma boa desculpa: “Não estávamos aqui, foi num programa que gravaram no Palácio D.Manuel”, justifica-se.
Já deu entrevistas para todo o mundo por causa da sua dedicação aos doces de tipo conventual e à doçaria popular alentejana, que faz diariamente e vende aqui. Aprendeu a fazê-los com a mãe, para as festas da família, em Vila Viçosa, onde nasceu. Foi quando se mudou para Évora, ao casar, que começou a cozinhar para fora os doces populares, como o nogados, os pasteis de grão, as filhoses e foi acrescentando ao seu repertório todo o tipo de doçaria associada aos conventos: os intensos queijinhos do céu, a encharcada, o tecolameco, as queijadas (umas de requeijão, outras de queijo fresco), os pasteis de Santa Clara e, claro, o pão de rala que dá nome à casa.
Tudo isto vai variando na montra sempre recheada, vitrine do mais reconhecido lado da doçaria alentejana. A Pão de Rala faz o que poderíamos apelidar de promoção cultural há 28 anos e é o primeiro monumento na cidade que muitos visitam para começar o passeio de fim-de-semana sem baixa de açúcar no sangue.
Outro monumento, onde já pararam os mais ilustres turistas do mundo, é o Fialho, que em 2025 faz 80 anos. “Aí nessa mesa sentou-se o Tony Blair com a mulher”, recorda Helena Fialho, filha de Gabriel Fialho, histórico cozinheiro da casa e do Alentejo, e neta do fundador Manuel Fialho. Esta é uma daquelas instituições da restauração que sublinha o receituário tradicional e o divulga para que outros o possam reinterpretar.
A segunda geração desta casa — os irmãos Manuel, Gabriel e Amor — foi divulgadora da mesa local. Manuel foi um dos fundadores da Confraria Gastronómica do Alentejo, Gabriel pesquisou as receitas tradicionais e populares e interessou-se particularmente pelo uso cultural das ervas aromáticas; Amor era, na sala, o rosto da hospitalidade alentejana.
Com o tempo, o Fialho ficou conhecido pela forma elegante — na apresentação e nos sabores — com que serve a cozinha alentejana, do cação de coentrada à perdiz à Convento da Cartuxa.
Helena Fialho explica que, do que era hábito nesta casa, só se deixaram de receber os clientes com uma data de saladinhas frias na mesa, porque houve muito quem copiasse a ideia. De resto, continua tudo como dantes: um restaurante discreto, forrado a olaria antiga do Alentejo interior e a fotografias de família. Num cenário gastronómico sempre a evoluir, aqui devolve-se o conforto do que nunca muda.