Estabelecimentos gastronômicos mais procurados
Locais de interesse mais visitados
Desculpe, não há resultados para a sua pesquisa. Tente novamente!
Adicionar evento ao calendário
Manuel Bacalhau dá o ponto. Domingos, Pinto e Carlos seguem-lhe os versos: Vila de Frades já não tem abades / Mas tem adegas que são catedrais / Os seus palhetes são uns brilharetes / São de beber e chorar por mais.
«A Escola do Cante são as tabernas», diz Domingos, a voz-alto do quarteto que, em pequeno, era posto em cima do balcão para acompanhar os adultos nesta arte que é Património Imaterial da Humanidade, o Cante alentejano. Naquele dia, Domingos e os seus cantavam não numa taberna, mas na Adega Gerações da Talha, uma das quase vinte adegas que compõem a rota do Vinho de Talha de Vila de Frades.
À entrada desta amistosa aldeia, da freguesia da Vidigueira, lê-se a seguinte inscrição: Terras de Pão, Gentes de Paz. Se o dito está correto, falta-lhe, porém, acrescentar a alusão à Capital do Vinho de Talha, motivo pelo qual muitos curiosos peregrinam até esta terra avizinhada pelas ruínas da vila romana de São Cucufate.
Foram precisamente os Romanos que desenvolveram a prática de vinificação em ânforas de barro (as ditas talhas), sendo, portanto, este vinho herdeiro de um saber milenar que em Portugal encontra o seu grande bastião no Alentejo, em particular em Vila de Frades. E se no início dos anos 90 esta prática quase caiu em desuso – contavam-se pouco menos de uma dezena de vinhos – hoje são mais de duzentas as referências à disposição do consumidor.
O momento mais aguardado pelos produtores é o da abertura das talhas. «Hoje é dia de festa», diz Teresa Caeiro, responsável pelo projeto Gerações da Talha e a única mulher à frente de uma adega em Vila de Frades.
«Os homens daqui falavam que eu não sabia o que andava a fazer à minha vida», recorda a produtora de 29 anos sobre o momento em que decidiu beber dos conhecimentos do avô, o bem-disposto Professor Arlindo, para agarrar este projeto que está há quatro gerações na sua família.
De 2019 para cá, Teresa empenhou-se de tal forma na adega, que agora são esses mesmos homens os primeiros a indicarem a Gerações da Talha para se ir provar um bom Vinho de Talha. Foi precisamente isso que fizemos, apanhando a folia das celebrações do São Martinho.
A tradição manda que a 11 de novembro se abram as primeiras talhas do ano, para provar o vinho da última vindima. O momento é solene e requer mãos resolutas, como as de João, que, pegando na roca de ferro do tempo do bisavô Francisco, fura o batoque de cortiça.
«Já sai vinho», brada, com um alguidar de barro aos pés, amparando o néctar nervoso que jorra da talha. Os copos baixos e cilíndricos, como os das antigas tabernas, apressam-se a chegar ao lugar do «furo», onde João martelara uma torneira tosca. Brinda-se à nova colheita, novamente ao som do Cante, e serve-se um Cozido com grão, pontuado por umas folhinhas de hortelã, à boa maneira alentejana.
Em breve, abrir-se-ão mais talhas, de tinto, branco e de palhete, o tal da canção, feito com uma mistura de uvas tintas e brancas. Ao longo de vários meses, e até fevereiro, o ritual repetir-se-á em Vila de Frades, com o ponto alto a acontecer nos dias 6, 7 e 8 de dezembro, na Vitifrades, o evento por excelência dedicado a este vinho abençoado por Baco.
Os visitantes podem marcar visitas às adegas para dias específicos ou simplesmente aparecer na aldeia e bater à porta dos produtores, como antigamente se fazia, esperando que um rosto gentil os receba. Não precisa de perder muito tempo a olhar para mapas. Basta chegar, como diz o Professor Arlindo do alto dos seus 84 anos, com as «janelas da alma abertas». Ou seja, com curiosidade, humildade e sentidos apurados.
Se parar no País das Uvas, de António e Jacinta, não só terá vinho para provar, como também pratos regionais alentejanos. Ao projeto da adega, a que deu o nome de Cella Vinaria Antiqua, este casal de 69 anos juntou um restaurante, afamado pela sua Carne de Alguidar, Sopa de Cação, Carne com Grão ou Feijão com Cardo em Azeite. Pergunte pela talha-ladrão e surpreenda-se com a astúcia dos Romanos, para quem nenhuma gota de vinho devia ser desperdiçada!
Umas ruas ao lado, encontrará a Taberna Arcos, onde mora a talha mais antiga de Vila Frades (e, quiçá, da região): data de 1656 e serve de abrigo a um típico branco Antão Vaz. A Taberna, explorada pela Adega Cooperativa da Vidigueira, está aberta apenas aos fins-de-semana e tem uma carta de petiscos que vai das linguiças e dos torresmos aos queijos regionais.
Para acamar todo o conhecimento, aconselhamos uma ida ao Centro Interpretativo do Vinho de Talha, aberto todos os dias, exceto à segunda-feira. Lá ficará a saber tudo sobre este saber ancestral, nomeadamente sobre o processo de fermentação e da formação da «mãe», as partes sólidas que, repousando no fundo da talha, são essenciais para o estágio e filtragem do vinho.
Na hora da despedida, não se espante se der por si a chorar por mais. No ocaso da planície alentejana, com Vila de Frades a esvair-se no retrovisor, fica sempre uma melodia e um travo de mãe agarrado a nós.